quarta-feira, 22 de agosto de 2007

MARCAS E COMUNICAÇÃO NA ATUALIDADE - parte I

Novo mundo, novas marcas, nova comunicação.
Ao observar a realidade do planejamento estratégico desenvolvido pelas empresas em geral, vamos perceber que a comunicação, não raro têm recebido muito menos atenção do que deveria.

Nesta nova civilização que emerge após todo um século de veloz desenvolvimento tecnológico, que afetou de sobremaneira a comunicação, vivemos num mundo menor e maior ao mesmo tempo; menor pela velocidade e alcance de mensagens cada vez mais complexas, e pequeno na medida em que os atores sociais e mesmo os elementos abstratos como as marcas se multiplicaram de sobremaneira rápida, ainda mais na pós-modernidade onde as múltiplas personalidades de uma mesma entidade são mais que aceitas, são exigidas. Second Life por exemplo.

Chama a atennção detro deste fenômeno a multiplicação das marcas.

Com a multiplicidade de opções no mercado e com a incrível velocidade do desenvolvimento tecnológico, nem sempre qualidade e desempenho são os fatores determinantes no sucesso de uma marca.

Consideremos os valores abstratos da marca, valores estes que só podem se desenvolver calcados na comunicação.


Novos valores, novos consumidores, novos mercados.
Neste mundo pós-moderno as marcas se multiplicam e se renovam com uma rapidez incrível, assim como observamos o fenômeno das marcas talibãs: aquelas que se desenvolvem localmente e assumem postura guerrilheira, batendo de frente com grades marcas globalizadas.

Realizei viagens culturais pelo Brasil na minha época de graduação. Estive em várias localidades do nordeste, onde com curiosidade observei a ocorrência de uma marca local de refrigerante, muito popular e apreciado em São Luiz, de coloração rosada e inusitado pelo próprio nome que a marca adota: Jesus.

Fato é que a marca permanece até hoje fazendo seu sucesso, ainda mais consolidado pelo desenvolvimento e adesão às novas tecnologias e modalidades comerciais.

Por outro lado, precisamos considerar as transformações culturais pelas quais a sociedade passa, assumindo novas posturas de valoração.

Entre estas novas posturas está a valorização do individual e do prazer do consumo os quais, até bem pouco tempo, eram valores negativos; hoje são aceitos e praticados de forma intensa. Percebe-se isso nas atuais formas como o comércio apresenta-se à sociedade na perspectiva varejista – observemos a “cara” dos supermercados e shoppings.

Noutra destas viagens, há mais de 20 anos estive pela primeira vez em Recife, Pernambuco. Na ocasião eu era um calouro de faculdade participando de seu primeiro congresso estudantil em nível nacional. Entrei numa lanchonete e pedi um Cheese Salada.

Os atendentes se entreolharam até que um deles teve a coragem de perguntar o que exatamente eu estava querendo.

Expliquei tratar-se de um sanduíche, um lanche. Foram oferecidas então duas opções praticadas no comércio local: misto-quente e fiambre.

Com certeza hoje episódios assim não mais vão se repetir, quer seja nas capitais, quer seja em regiões mais interioranas.
*
(continua na próxima postagem).

terça-feira, 14 de agosto de 2007

PLANEJAMENTO E PESQUISA – o alcance real desta importante ferramenta.

Seguindo a linha temática que fala do planejar publicidade na transição de paradigmas e as mudanças que isto trás ao planejamento, falo agora sobre o relacionamento dos planejadores com a pesquisa, esta controvertida, porém indispensável ferramenta.

Parto de reflexões sugeridas há 13 anos por uma lenda viva do planejamento no Brasil: Julio Ribeiro[1]. A princípio, um texto antigo cujo teor corre grave risco de estar desatualizado. Mas, se me permitem filosofar só um pouquinho, julgo que em certa medida publicidade seja atemporal, e opera com elementos que estão aquém do aqui e agora, e é por isso que eu julgo que os postulados da física qüântica precisam ser estudados com carinho pelos planejadores.

Muitas vezes as pesquisas nos mostram aquilo o que já estamos todos carecas de tanto saber.

Escrevi há algumas semanas sobre uma polêmica levantada no blog do GP chamada de “Avestruz Esnobe” sobre uma pesquisa a respeito da preferência musical dos brasileiros, a qual mostrou que um produto considerado brega era o preferido, independente da classe social do consumidor, sendo mais consumido até que produtos considerados premium, mesmo quando divulgados de forma massiva e privilegiada pela mídia.

Será que já não sabíamos disso? Música Popular Brasileira – será que os grandes expoentes da MPB são tão populares assim, como o nome sugere?

Recordo ter lido uma entrevista com o Duda na qual ele falava sobre estratégias de propaganda política. Questionado sobre o uso das “baixarias” no horário gratuito como boatos, acusações, xingamentos e provocações entre candidatos, disse ele o seguinte: se fizermos uma pesquisa, 100% dos brasileiros afirmarão veementemente que não gostam de baixarias no horário eleitoral gratuito, mas... quem disse que realmente eles não gostam?!

Não raro os especialistas em pesquisa submetem-se à ditadura das fórmulas e softwares.

Por que fazer uma pesquisa para saber o que já se sabe? Por exemplo, para que pesquisar para entender a motivação do consumo do molho de tomate industrializado? Afinal, todos já sabemos que apesar do molho industrializado não estar à altura do caseiro, a praticidade motiva seu uso – diz Julio Ribeiro.

Estamos naquele patamar que muitos planejadores julgam perigoso: o feeling. E, se o feeling é perigoso, é porque ele oferece riscos.

Nós planejadores não podemos nos dar ao luxo de fazer investimentos a risco zero, como fazem os investidores estrangeiros que só deitam seus dólares por aqui sob compromisso formal do governo em arcar com os prejuízos caso a coisa degringolar. Nossos clientes investem seu dinheiro sob a garantia da confiança em nosso trabalho.

Se buscamos lucro para nossos clientes temos que entender que só alcançaremos sucesso se corrermos o risco de confiar em nosso feeling. Investimento risco zero é uma utopia, exceto é claro sob o aval do governo brasileiro, que não é o nosso caso.

Julio Ribeiro é um mestre em utilizar frases de efeito. Vejam esta: Não banque as irmãs da Cinderela.

Para pesquisar, antes é preciso saber perguntar. Só se pode pesquisar se antes definirmos de forma clara e objetiva aquilo o que queremos saber. Até aqui, o óbvio, mas ao contrário do que normalmente costumamos entender, ser claro e objetivo nem sempre significa ser simples e direto. E é neste momento que a habilidade do bom planejador manifesta-se.

Para ilustrar esta afirmação, tomemos o exemplo que Julio Ribeiro apresenta no mesmo texto, quando comenta sobre uma pesquisa que fez sobre inadimplência em prestações da casa própria.

Uma pesquisa comum não falaria nada além do que já se sabe: pontuais afirmariam que a prestação é prioridade do orçamento, e os inadimplentes afirmariam que alimentação é a prioridade. Uma pesquisa simples e tradicional com aquele questionário básico facilmente tabulado com softwares próprios não iria oferecer respostas para além destas.

Foi preciso pensar numa metodologia muito particular e diferenciada para chegar à conclusão de que vários fatores influenciavam na questão, tais como o prazer da sensação de estar driblando o governo, ou ainda o prazer de sentir-se esperto ao livrar-se dos juros ao pagar sob pressão judicial. A pesquisa descobriu que, excetuando-se aqueles com reais problemas financeiros, haviam alguns que escandalosamente investiam o dinheiro da inadimplência em especulação imobiliária.

Assim, para planejar hoje, há de se reservar uma grande parte de nosso tempo útil à contemplação. Não uma contemplação passiva, mas uma contemplação ativa, e mesmo especulativa para que a partir disso possamos, antes de encomendar uma pesquisa, entender com mais clareza aquilo o que precisamos saber e COMO precisamos saber.
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[1] Ribeiro, J. FAZER ACONTECER. Cultura, São Paulo, 1994. – Capítulo 07 – E AGORA, O QUE É QUE EU FAÇO COM ESTA PESQUISA? Págs. 63 a 68.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

POESIA POPULAR, POESIA DA PERIFERIA.

Mavot Sirc declamando "Máscara"
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Mavot Sirc é o pseudônimo artístico de Cristovam Martins, poeta popular. É nascido na cidade mineira de Boa Esperança, a mesma Boa Esperança imortalizada por Lamartine Babo, terra de Rubem Alves. Ainda na infância transferiu-se com a família para São Paulo.
Eclético, Cristovam se auto-intitula "fã nº 01 de Pink Floyd", nos anos 70 foi ativista do movimento anarcopunk e mais tarde tornou-se técnico em eletrônica. Sem renunciar ao lado rockeiro, sonhou em tornar-se padre nos anos 80 após experiências gratificantes em movimentos de juventude católica, passando por institutos religiosos em Santa Catarina e São Paulo. Mas a vida o levou para outros caminhos. Não concluiu a faculdade de filosofia, mas foi lá que teve a oportunidade de participar de seus primeiros concursos literários.
Artista inovador e produtor cultural, nos anos 90 participou da extinta banda de hard rock "Bando Central", não como músico, mas introduzindo elementos exóticos nas apresentações como declamações dramatizadas de seus poemas e números de dança do ventre, recebendo elogios de Marcelo Nova, ex-parceiro de Raul Seixas.
Após a dissolução do Bando Central, Cristovam focou seu trabalho em movimentos populares de cultura. Hoje atua junto à Cooperifa, Cooperativa Cultural da Periferia na zona sul paulistana, participando de muitos projetos interessantes, com destaque para a publicação do livreto/CD "Sarau da Cooperifa", coletânea de 26 obras com artistas populares diversos, patrocinada pelo Itaú Cultural.
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"Feio é ter conta cheia lá no banco
E o coração vazio ali no canto.
Feio é ter muito bem
E não ter ninguém que te quer bem".
(extrato de "Pobreza", de Mavot Sirc)

APROXIMAR-SE E SENTIR O CONSUMIDOR - O QUE É ISSO?

Fórmulas mecânicas e exatóides aplicadas ao planejamento de comunicação não funcionam mais, se é que um dia funcionaram.

Pessoas com diploma universitário vão ouvir Maria Rita e vestir Brooksfield, e pessoas com alfabetização básica ou incompleta vão ouvir Calypso e vestir C&A. É verdade? Podemos confiar nisso? Claro que não. Planejar publicidade usando fórmulas “universais” tipo A + B = C é uma furada. O dogma acabou virando heresia.

Um caminho possível para entender o desafio de planejar propaganda hoje é entender os processos sociológicos e psicológicos pelos quais as pessoas estabelecem suas identidades e valores – isso é uma das formas que mostra o que eu quero dizer quando falo em aproximar-se e sentir o consumidor.

Toda cultura social possui seus processos de valoração; na atualidade, entre outros, dois deles nos chamam a atenção: o culto do perfeccionismo ególatra, e o culto da velocidade.

Estudantes hoje em hipótese alguma aceitam serem avaliados por seus professores, sequer toleram uma observação sobre erros ortográficos, por exemplo. Vê-se neste caso o culto ao perfeccionismo; não aquele perfeccionismo compreendido a partir da obstinação, mas a partir de uma não intervenção absoluta sobre atos e decisões, nada de critérios externos: o ego torna-se o único critério de valoração.

O diferencial oferecido hoje pelos produtos tecnológicos é justamente o da velocidade de execução. Universidades oferecem cursos de pós-graduação a serem iniciados por estudantes com 50% da graduação concluída. São exemplos do culto à velocidade – o tempo da civilização digital é um tempo que transcorre numa velocidade incrível.

Mas, o que isso tem a ver com a perplexidade de se observar que consumidores que, apesar de sua elevada posição na pirâmide social, consomem produtos culturais tidos como de baixa qualidade, ou seja, o brega, o populacho, o “kitch” dos frankfurtianos?!

Vladimir Safatle, analisando a publicidade contemporânea afirma que “(...) não é um posicionamento de valores “exclusivos”, mas um posicionamento “bipolar”. Ou seja, ele é assentado em valores contrários. O que, aparentemente, seria um erro crasso de posicionamento revela-se uma astúcia. Por um lado, permite ao consumidor identificar-se com a marca, sem, necessariamente, identificar-se com um dos seus pólos. Mas, principalmente, este posicionamento bipolar pode funcionar porque os próprios consumidores são incitados a não se identificarem mais com situações estáticas. A publicidade contemporânea e a cultura de massa estão repletas de padrões de condutas, construídos através de figuras para as quais convergem disposições, aparentemente, contrárias. (...)”[1]

Assim sendo, ouvir Calypso ou assistir Ratinho tornam-se atitudes permitidas ao professor universitário, à advogada que atua numa grande multinacional, ao proprietário da rede de concessionárias de uma marca de veículos importados, ao assessor da diretoria da empresa e assim por diante na medida em que os “dispositivos” que justificam o consumo produtos com a característica “kitch” são acionados.

O dispositivo da velocidade diz que os tidos produtos culturais elitistas prescindem de tempo para que se possa desenvolver critérios para a sua valoração, através dos processos mentais de compreensão dos mesmos, o que exige coisas como a leitura e o domínio de conceitos cada vez mais profundos, afim de ter acesso às difíceis linguagens dos produtos culturais “de qualidade”, o que a princípio agregaria valor de refino e distinção social ao consumidor que conseguisse concluir tal processo.

Tudo isso desemboca em conjunto num processo de reflexão, que é uma prática lenta por excelência... e, se não há tempo a perder, então a apreciação da “qualidade elitista” torna-se inviável.

Diante disso, por que não consumir o neoforró do Calypso? Afinal de contas, minha posição e meu ego são perfeitos, e ainda há de surgir algum fator que macule minha posição e status na sociedade. Por que então considerar isso um rebaixamento social?

Assim, temos aqui comentários que versam sobre uma das explicações possíveis aos novos paradigmas de consumo na atualidade, um verdadeiro desafio aos planejadores de comunicação.



[1] Safatle, V. ALGUMAS HIPÓTESES SOBRE A RECONFIGURAÇÃO DA RETÓRICA DE CONSUMO. In: Revista da ESPM, vl. 13 ano 12 ed. 5 – set./out. 2006, págs. 110 a 118.