segunda-feira, 6 de agosto de 2007

APROXIMAR-SE E SENTIR O CONSUMIDOR - O QUE É ISSO?

Fórmulas mecânicas e exatóides aplicadas ao planejamento de comunicação não funcionam mais, se é que um dia funcionaram.

Pessoas com diploma universitário vão ouvir Maria Rita e vestir Brooksfield, e pessoas com alfabetização básica ou incompleta vão ouvir Calypso e vestir C&A. É verdade? Podemos confiar nisso? Claro que não. Planejar publicidade usando fórmulas “universais” tipo A + B = C é uma furada. O dogma acabou virando heresia.

Um caminho possível para entender o desafio de planejar propaganda hoje é entender os processos sociológicos e psicológicos pelos quais as pessoas estabelecem suas identidades e valores – isso é uma das formas que mostra o que eu quero dizer quando falo em aproximar-se e sentir o consumidor.

Toda cultura social possui seus processos de valoração; na atualidade, entre outros, dois deles nos chamam a atenção: o culto do perfeccionismo ególatra, e o culto da velocidade.

Estudantes hoje em hipótese alguma aceitam serem avaliados por seus professores, sequer toleram uma observação sobre erros ortográficos, por exemplo. Vê-se neste caso o culto ao perfeccionismo; não aquele perfeccionismo compreendido a partir da obstinação, mas a partir de uma não intervenção absoluta sobre atos e decisões, nada de critérios externos: o ego torna-se o único critério de valoração.

O diferencial oferecido hoje pelos produtos tecnológicos é justamente o da velocidade de execução. Universidades oferecem cursos de pós-graduação a serem iniciados por estudantes com 50% da graduação concluída. São exemplos do culto à velocidade – o tempo da civilização digital é um tempo que transcorre numa velocidade incrível.

Mas, o que isso tem a ver com a perplexidade de se observar que consumidores que, apesar de sua elevada posição na pirâmide social, consomem produtos culturais tidos como de baixa qualidade, ou seja, o brega, o populacho, o “kitch” dos frankfurtianos?!

Vladimir Safatle, analisando a publicidade contemporânea afirma que “(...) não é um posicionamento de valores “exclusivos”, mas um posicionamento “bipolar”. Ou seja, ele é assentado em valores contrários. O que, aparentemente, seria um erro crasso de posicionamento revela-se uma astúcia. Por um lado, permite ao consumidor identificar-se com a marca, sem, necessariamente, identificar-se com um dos seus pólos. Mas, principalmente, este posicionamento bipolar pode funcionar porque os próprios consumidores são incitados a não se identificarem mais com situações estáticas. A publicidade contemporânea e a cultura de massa estão repletas de padrões de condutas, construídos através de figuras para as quais convergem disposições, aparentemente, contrárias. (...)”[1]

Assim sendo, ouvir Calypso ou assistir Ratinho tornam-se atitudes permitidas ao professor universitário, à advogada que atua numa grande multinacional, ao proprietário da rede de concessionárias de uma marca de veículos importados, ao assessor da diretoria da empresa e assim por diante na medida em que os “dispositivos” que justificam o consumo produtos com a característica “kitch” são acionados.

O dispositivo da velocidade diz que os tidos produtos culturais elitistas prescindem de tempo para que se possa desenvolver critérios para a sua valoração, através dos processos mentais de compreensão dos mesmos, o que exige coisas como a leitura e o domínio de conceitos cada vez mais profundos, afim de ter acesso às difíceis linguagens dos produtos culturais “de qualidade”, o que a princípio agregaria valor de refino e distinção social ao consumidor que conseguisse concluir tal processo.

Tudo isso desemboca em conjunto num processo de reflexão, que é uma prática lenta por excelência... e, se não há tempo a perder, então a apreciação da “qualidade elitista” torna-se inviável.

Diante disso, por que não consumir o neoforró do Calypso? Afinal de contas, minha posição e meu ego são perfeitos, e ainda há de surgir algum fator que macule minha posição e status na sociedade. Por que então considerar isso um rebaixamento social?

Assim, temos aqui comentários que versam sobre uma das explicações possíveis aos novos paradigmas de consumo na atualidade, um verdadeiro desafio aos planejadores de comunicação.



[1] Safatle, V. ALGUMAS HIPÓTESES SOBRE A RECONFIGURAÇÃO DA RETÓRICA DE CONSUMO. In: Revista da ESPM, vl. 13 ano 12 ed. 5 – set./out. 2006, págs. 110 a 118.

Um comentário:

Anônimo disse...

Isso é um assunto interessante. Eu sempre andei com as massas e consumo a cultura das massas além da minha. acho isso muito legal.
e acredito que as empresas estão acordando para o fato de que perfil de consumidor depende em parte de seu grau de instrução e economico. O resto, uma parte grande da formação desse consumidor, vem de sua maneira como absorve cultura e o que absorve. Dessa maneira, ricos e pobres podem ser "fashion" ou "batalhadores", como a Nielsen faz essa divisão.
Meu cliente nao fala mais e ABCD. Fala em consumidores consicentes, batalhadores, fashion, maduros tradicionais, maduros bem sucedidos, conformados.