segunda-feira, 24 de setembro de 2007

A ÉTICA NA COMUNICAÇÃO

Um comentário que começa a partir de uma definição objetiva dos conceitos de ética e moral, as principais influências em nossa cultura e o comportamento dos meios de comunicação hoje.
Baseado numa palestra do prof. Dr. Clóvis de Barros Filho (ESPM), proferida no ano de 2005 na ECA-USP.
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Ética e moral – conceitos.
A primeira vista e segundo o senso comum, ética e moral aparecem como termos sinônimos. Porém, para que possamos discutir o conceito de ética de forma mais completa, torna-se necessário aprofundar este significado do modo como ele aparece na tradição filosófica ocidental.
Vamos partir então do estabelecimento da diferença entre os conceitos dualistas bem e mal de um lado, e bom e mau de outro.
Numa prova ginasiana seríamos elogiados pelo professor de língua e literatura se explicássemos a diferença falando que os primeiros dizem respeito a substantivos, e os segundos a adjetivos.
Apesar desta significação básica e gramatical dos conceitos lançarem uma pista para aquilo no qual queremos chegar, ainda não é o suficiente.
Vamos então nos cercar nesta pista gramatical – enquanto substantivos podem ocupar a posição de sujeito da oração, os adjetivos forçosamente são predicados, ou seja, qualidades aplicáveis a determinados sujeitos.
Uma vez sendo sujeito pressupõe-se que se trata de uma entidade autônoma ao nosso conhecimento, enquanto o segundo, predicado, não tem sentido se não aplicável ao primeiro.
Assim, bem e mal estão nos domínios da moral na medida em que são aplicáveis a princípios universais da cultura que regem julgamentos e comportamentos – princípios transcendentes por independerem de situações específicas e circunstanciais para serem aplicados.
Ética, por sua vez, está no domínio do bom e do mau, da relatividade imanente ao sujeito em questão, ou seja, se efetivam em situações específicas e circunstancias.
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Reflexão moral – legítima quando decorre de uma ação não coagida.
A reflexão moral, portanto, partindo do postulado acima, leva-nos à seguinte conclusão: ela surge de um acordo entre as partes que acatam princípios morais universalizando-os, pelo menos no tocante ao universo daqueles que culturalmente adotam uma codificação moral em comum.No que diz respeito à civilização ocidental, temos então um panorama histórico de reflexões sobre a essência da moral a qual passamos a discorrer de forma resumida.
Para Platão, um dos mais completos estudiosos da cultura ocidental, a moral é aquilo que você não faria mesmo que fosse invisível.Na idade média, os filósofos parecem ter centrado a questão ética sobre a polêmica entre vontade divina e livre-arbítrio. Institucional e politicamente o debate recaia sobre quem teria o direito de interpretação da vontade divina, debate este que antecedeu o movimento reformista e a contra-reforma.Na modernidade, a reflexão ética recaiu sobre a universalidade das decisões morais, como podemos observar em Espinosa, Descartes, Kant e outros.
Kant desenvolveu uma teoria que até os dias de hoje, provavelmente é a mais influente: a teoria do Imperativo Categórico, que diz respeito a uma fórmula universalista de definição dos critérios morais.Na contemporaneidade, Nietzsche colocou em cheque a universalidade dos imperativos morais; ainda mais recentemente, Adolfo Sanches Vasquez, pensador mexicano de linha marxista considerou a ética como a ciência da moral.Enfim, parece que esta discussão iniciada na modernidade perdura pela contemporaneidade – qual o critério de definição dos imperativos morais e quem tem legitimidade de estabelecer tais critérios?!
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Ética na comunicação.
Sobre o tema ética na comunicação, a discussão objetiva o estudo sobre os efeitos que as mensagens exercem sobre seus receptores.
Ocorre então na comunicação hoje um procedimento de cunho pragmático: o valor moral não depende da ação em si, mas sim dos efeitos produzidos.Um conflito na comunicação Pode-se observar entre as concepções kantianas nos quais a ação em si é julgada, e a concepção maquiaveliana, onde “os fins justificam os meios”.
Os meios de comunicação de massa exercem um procedimento de leitura da realidade onde a linha entre o ético e o cínico encontram uma tênue divisão.Isso pode ser explicado na medida em que analisamos os procedimentos jornalísticos vigentes nos dias atuais.
O que ocorre é a filtragem que transforma a media agenda em public agenda. Media agenda trata-se de todo o levantamento de fatos encaminhados aos agentes decisores da editoração que selecionarão o que vai compor a public agenda – aquilo que será publicado.
Qual é a legitimidade que as chefias de editoração dos departamentos jornalísticos dos meios de comunicação de massa possuem para exercerem o papel de juízes que farão a leitura do real traduzida naquilo que vai ao ar, e da forma que vai ao ar: quais os ênfases, quais os enfoques, quais as prioridades, qual a distribuição e classificação das notícias?! E principalmente, quais os critérios utilizados?!
Por outro lado, existe também a postura ética do receptor das mensagens nos meios de comunicação de massa.Uma polêmica ocorre entre os estudiosos do tema: a audiência em si assume uma postura passiva, absorvente, e vulnerável diante dos meios de comunicação de massa, ou possui senso crítico desenvolvido o suficiente para descartar e mesmo reagir a respeito daquilo que os meios procuram transmitir?!
Na verdade, esta polêmica ao que parece encontra uma solução na seguinte constatação: a de que os meios por si só não possuem poder de definir a opinião de forma absoluta, integrando sim uma rede de fatores que o fazem, mas não de forma independente e isolada.Essa limitação dos efeitos da mídia teria uma dupla causa: de um lado, a existência de uma rede de comunicações interpessoais que concorrem na produção e principalmente na difusão de informações e, de outro, os mecanismos seletivos que cada receptor coloca em prática e que condicionam a sua exposição, atenção, percepção e retenção da mensagem recebida.[1]
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[1] Barros Filho, C. / ÉTICA NA COMUNICAÇÃO / São Paulo, Moderna, 1997 – p. 127.

sábado, 8 de setembro de 2007

UNIVERSO DO CONTEÚDO - Felipe Morais.

“A popularização dos Personal Computers (PCs) impôs o universo de conteúdo, uma vez que milhares de pessoas podem produzir vídeos, fotos, jogos, músicas, sites e softwares”.
Trecho do livro A Cauda Longa, de Chris Anderson.


A internet hoje é movimentada por conteúdo. A parte principal desse conteúdo é aquela feita pelo usuário. A Cauda Longa é um efeito desse fenômeno participativo, afinal, cada usuário pode publicar o que quiser, abrindo diversos nichos na internet. Isso causa fortes mudanças na forma como se consome publicidade e produtos na internet.

Há cinco anos, Bill Gates veio a mídia dizer que os blogs seriam uma das maiores ferramentas de comunicação do planeta. E ele estava certo.Hoje, pessoas estão ganhando muito dinheiro com blogs ao compartilhar idéias, artigos, vídeos e fotos. Blogs como Cocadaboa e o Interney – que falam de humor e comunicação respectivamente - são exemplos de sucesso de receita gerada a partir do oferecimento de conteúdo focado em nichos específicos.

Isso é um exemplo da Cauda Longa, onde empresas menores começam a entrar em grandes mercados, apostando em pequenos nichos ou pequenos grupos de pessoas que estão atrás de diversos assuntos.

O Google que hoje é a marca mais valiosa do mundo, superando gigantes tradicionais como Coca Cola, Microsoft, IBM e McDonalds, conquistou a liderança mundial da Internet apostando nesse conceito: explorando a Cauda Longa da propaganda e oferecendo a sua ferramenta de busca natural para que empresas anunciem por centavos e só paguem por resultados.

O fenômeno do You Tube é semelhante. Apostando em uma forma muito simples de permitir que as pessoas publiquem seus vídeos, seu conteúdo cresceu exponencialmente. Em menos de 18 meses no ar, o site passou a valer 1,65 bilhões de dólares, valor pago pelo Google na sua compra.

Outro bom exemplo da força do usuário na geração de conteúdo são as redes sociais. Diversas empresas brasileiras tentam se aproveitar do sucesso do Orkut criando suas comunidades ou até mesmo sites similares.

Elas esperam usar esses recursos como ferramentas de marketing para pesquisas ou estratégias. Elas deixam que os usuários falem e interajam com a marca e viralizem suas campanhas, pois sabem que um blog ou uma comunidade no Orkut tem mais poder de influenciar o consumidor do que uma campanha de publicidade convencional. Afinal, o consumidor está cada vez mais exigente, está buscando na web informações sobre produtos e marcas.
Essa exigência do consumidor somada ao fenômeno da Cauda Longa explica o crescimento de sites comparativos de preços, como buscapé, bondfaro, shopping uol, terra compras (O Google tem o seu comparativo, mas ainda não disponível no Brasil). Esses sites se baseiam na avaliação dos próprios consumidores para recomendação de produtos. A Amazon.com, que é um ícone do comércio eletrônico, abusa desse recurso. Alguns de seus usuários já se tornaram referência para compra de determinados produtos.

Em resumo, a Cauda Longa é uma teoria onde demonstra que o usuário – que já é um produtor de conteúdo – pode produzir o que bem entender na internet, pois haverá sempre um nicho de mercado ou um pequeno grupo de pessoas interessadas nesse conteúdo, e ai, basta que esse usuário saiba como gerar interesse de patrocinadores para que essa sua produção lhe gere retorno financeiro.

O poder foi dado aos usuários. As empresas que se cuidem.

Felipe Morais, publicitário, pós-graduado em planejamento estratégico e especialista em planejamento de comunicação é planejamento e mídia online da agência CappuccinoHZTA.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

MARCAS E COMUNICAÇÃO NA ATUALIDADE - parte II

Nova economia, novas empresas.
Neste cenário de multiplos atores e numerosas e velozes troca de papéis, comunicação e marcas necessitam de estabelecer um íntimo relacionamento, tal que, em termos numéricos, o valor das marcas pode atingir entre 90% e 95% dos ativos das empresas – cifra nada desprezível.

A Interbrand avalia a Coca-Cola como a marca mais valiosa do mundo, com o valor de 67 bilhões de dólares; a Levi’s foi cotada para o centésimo lugar com o valor de 2,7 bilhões de dólares.[1]

Resumo da ópera: as marcas inevitavelmente estarão cada vez mais presentes nos mais altos escalões decisórios das empresas.

Marcas – o tangível e o intangível.
Todo consumidor quando inquirido em hipótese alguma vai admitir que consome uma marca simplesmente pelo status proporcionado. Via de regra, justificará a opção de duas formas: qualidade e atendimento ao gosto pessoal.

Nada há o que condenar em quem busca status consumindo esta ou aquela marca, uma vez que considerando as transformações pelas quais as mídias atravessam nos dias de hoje, consumir significa muito mais que buscar benefício agregado no produto.

Benefícios decorrentes do desempenho, ou seja, valores tangíveis, há muito deixaram de ser tão absolutos assim no processo de opção de consumo.

A experiência vivida em associação à marca constitui então aquilo o que chamamos de valores intangíveis, servindo assim como veículos de expressão do próprio conjunto de valores pessoais do consumidor, em privilégio às individualidades e confirmação psicossocial da autoconfiança e definição consolidada de sua postura no relacionamento interpessoal.
Atento para o fato de que não estamos falando aqui exatamente de modas e consumismo, onde exibir a roupa de determinada grife, ou o carro de determinado modelo em lançamento serve para propagandear degraus galgados acima na hierarquia de classes – sucesso, considerado neste ângulo.

Esta leitura da relação entre consumo e marcas costuma ser observada com certa restrição, na medida em que a propaganda é taxada de idiotizante, minando todo o senso crítico de um consumidor que é capaz de adquirir um produto de qualidade bem inferior por um preço muito mais caro que o concorrente acreditando estar comprando um status mais elevado na sociedade.

A abordagem dos valores intangíveis é algo bem diferente.

Trata-se de observar uma marca que acumula estes valores de modo a identificar seu complexo conjunto de percepções que lhe dá uma personalidade dinâmica definida na confirmação da satisfação do consumidor, fazendo com que ela se torne expressão dele proprio.

São exemplos de situações assim respostas que justificam a confiabilidade na marca algo como sua associação aos momentos felizes da história de vida das pessoas, como aquela consagrada marca de margarina que rememora os felizes momentos dos cafés-da-manhã vivenciados juntos aos pais no passado e agora junto aos filhos no presente, aquela marca de eletrodoméstico que é associada ao surgimento de uma nova e mais satisfatória fase da convivência familiar, os ícones culturais que não raro dão origem a fã-clubes de marcas, ou ainda aqueles produtos que fazem questão de manter seus logos e embalagens originais, cujas atualizações são meramente superficiais, como é o caso do bombom Sonho de Valsa, da pomada Minâncora, do amido de milho Maizena entre outras.

Assim, o consumidor cria um elo com a própria marca, independente do proprietário desta marca num processo contínuo de enriquecimento e incremento nos elementos que geram a identidade com o consumidor na dinâmica do mutante processo social e mercadológico.

Marcas e poder.
Certa vez recebi o telefonema de um amigo, produtor cultural e artista popular, onde conversamos sobre a questão do patrocínio. Na ocasião, ele falou sobre seu dilema de como transmitir confiabilidade aos patrocinadores de que seu trabalho agregaria, de fato, valor à marca de modo a ser determinante no processo de opção de compra onde o consumidor estaria diante de um equilíbrio de preços e atributos entre produtos e marcas concorrentes.

Assim, a identidade corporativa é algo cada vez mais presente no mercado e no imaginário dos consumidores da atualidade onde a imagem de comprometimento social cada vez mais ganha importância.

Comunicação empresarial hoje.
Enfim, a reflexão deste artigo nos leva ao entendimento de que o papel dos planejadores de comunicação hoje é muito mais importante que há anos atrás, em função de vários fatores, mas principalmente do boom da democratização dos meios e da tecnologia de comunicação.

O feedaback comunicacional é algo mais complexo que simplesmente observar a elevação dos números das vendas após a deflagração de uma campanha.
Não podemos mais inferir dogmas julgando que o consumidor é um agente estático. Ele vai reagir de diferentes formas quantas vezes for exposto a uma estratégia comunicacional.

Os significados e as relações que envolvem as opções de consumo e a busca das empresas por fatias maiores de mercado exigem a atuação de profissionais das mais diversas vertentes científicas, como psicólogos e sociólogos que, ao lado dos publicitários e marketeiros em geral, consigam desenvolver um acompanhamento de performance da comunicação empresarial para que esta mesma empresa consiga promover uma boa performance e crescimento de suas marcas.
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[1] Pinto, Ivan. A MARCA NA HIERARQUIA DAS ESTRATÉGIAS EMPRESARIAIS – Revista da ESPM.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

MARCAS E COMUNICAÇÃO NA ATUALIDADE - parte I

Novo mundo, novas marcas, nova comunicação.
Ao observar a realidade do planejamento estratégico desenvolvido pelas empresas em geral, vamos perceber que a comunicação, não raro têm recebido muito menos atenção do que deveria.

Nesta nova civilização que emerge após todo um século de veloz desenvolvimento tecnológico, que afetou de sobremaneira a comunicação, vivemos num mundo menor e maior ao mesmo tempo; menor pela velocidade e alcance de mensagens cada vez mais complexas, e pequeno na medida em que os atores sociais e mesmo os elementos abstratos como as marcas se multiplicaram de sobremaneira rápida, ainda mais na pós-modernidade onde as múltiplas personalidades de uma mesma entidade são mais que aceitas, são exigidas. Second Life por exemplo.

Chama a atennção detro deste fenômeno a multiplicação das marcas.

Com a multiplicidade de opções no mercado e com a incrível velocidade do desenvolvimento tecnológico, nem sempre qualidade e desempenho são os fatores determinantes no sucesso de uma marca.

Consideremos os valores abstratos da marca, valores estes que só podem se desenvolver calcados na comunicação.


Novos valores, novos consumidores, novos mercados.
Neste mundo pós-moderno as marcas se multiplicam e se renovam com uma rapidez incrível, assim como observamos o fenômeno das marcas talibãs: aquelas que se desenvolvem localmente e assumem postura guerrilheira, batendo de frente com grades marcas globalizadas.

Realizei viagens culturais pelo Brasil na minha época de graduação. Estive em várias localidades do nordeste, onde com curiosidade observei a ocorrência de uma marca local de refrigerante, muito popular e apreciado em São Luiz, de coloração rosada e inusitado pelo próprio nome que a marca adota: Jesus.

Fato é que a marca permanece até hoje fazendo seu sucesso, ainda mais consolidado pelo desenvolvimento e adesão às novas tecnologias e modalidades comerciais.

Por outro lado, precisamos considerar as transformações culturais pelas quais a sociedade passa, assumindo novas posturas de valoração.

Entre estas novas posturas está a valorização do individual e do prazer do consumo os quais, até bem pouco tempo, eram valores negativos; hoje são aceitos e praticados de forma intensa. Percebe-se isso nas atuais formas como o comércio apresenta-se à sociedade na perspectiva varejista – observemos a “cara” dos supermercados e shoppings.

Noutra destas viagens, há mais de 20 anos estive pela primeira vez em Recife, Pernambuco. Na ocasião eu era um calouro de faculdade participando de seu primeiro congresso estudantil em nível nacional. Entrei numa lanchonete e pedi um Cheese Salada.

Os atendentes se entreolharam até que um deles teve a coragem de perguntar o que exatamente eu estava querendo.

Expliquei tratar-se de um sanduíche, um lanche. Foram oferecidas então duas opções praticadas no comércio local: misto-quente e fiambre.

Com certeza hoje episódios assim não mais vão se repetir, quer seja nas capitais, quer seja em regiões mais interioranas.
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(continua na próxima postagem).

terça-feira, 14 de agosto de 2007

PLANEJAMENTO E PESQUISA – o alcance real desta importante ferramenta.

Seguindo a linha temática que fala do planejar publicidade na transição de paradigmas e as mudanças que isto trás ao planejamento, falo agora sobre o relacionamento dos planejadores com a pesquisa, esta controvertida, porém indispensável ferramenta.

Parto de reflexões sugeridas há 13 anos por uma lenda viva do planejamento no Brasil: Julio Ribeiro[1]. A princípio, um texto antigo cujo teor corre grave risco de estar desatualizado. Mas, se me permitem filosofar só um pouquinho, julgo que em certa medida publicidade seja atemporal, e opera com elementos que estão aquém do aqui e agora, e é por isso que eu julgo que os postulados da física qüântica precisam ser estudados com carinho pelos planejadores.

Muitas vezes as pesquisas nos mostram aquilo o que já estamos todos carecas de tanto saber.

Escrevi há algumas semanas sobre uma polêmica levantada no blog do GP chamada de “Avestruz Esnobe” sobre uma pesquisa a respeito da preferência musical dos brasileiros, a qual mostrou que um produto considerado brega era o preferido, independente da classe social do consumidor, sendo mais consumido até que produtos considerados premium, mesmo quando divulgados de forma massiva e privilegiada pela mídia.

Será que já não sabíamos disso? Música Popular Brasileira – será que os grandes expoentes da MPB são tão populares assim, como o nome sugere?

Recordo ter lido uma entrevista com o Duda na qual ele falava sobre estratégias de propaganda política. Questionado sobre o uso das “baixarias” no horário gratuito como boatos, acusações, xingamentos e provocações entre candidatos, disse ele o seguinte: se fizermos uma pesquisa, 100% dos brasileiros afirmarão veementemente que não gostam de baixarias no horário eleitoral gratuito, mas... quem disse que realmente eles não gostam?!

Não raro os especialistas em pesquisa submetem-se à ditadura das fórmulas e softwares.

Por que fazer uma pesquisa para saber o que já se sabe? Por exemplo, para que pesquisar para entender a motivação do consumo do molho de tomate industrializado? Afinal, todos já sabemos que apesar do molho industrializado não estar à altura do caseiro, a praticidade motiva seu uso – diz Julio Ribeiro.

Estamos naquele patamar que muitos planejadores julgam perigoso: o feeling. E, se o feeling é perigoso, é porque ele oferece riscos.

Nós planejadores não podemos nos dar ao luxo de fazer investimentos a risco zero, como fazem os investidores estrangeiros que só deitam seus dólares por aqui sob compromisso formal do governo em arcar com os prejuízos caso a coisa degringolar. Nossos clientes investem seu dinheiro sob a garantia da confiança em nosso trabalho.

Se buscamos lucro para nossos clientes temos que entender que só alcançaremos sucesso se corrermos o risco de confiar em nosso feeling. Investimento risco zero é uma utopia, exceto é claro sob o aval do governo brasileiro, que não é o nosso caso.

Julio Ribeiro é um mestre em utilizar frases de efeito. Vejam esta: Não banque as irmãs da Cinderela.

Para pesquisar, antes é preciso saber perguntar. Só se pode pesquisar se antes definirmos de forma clara e objetiva aquilo o que queremos saber. Até aqui, o óbvio, mas ao contrário do que normalmente costumamos entender, ser claro e objetivo nem sempre significa ser simples e direto. E é neste momento que a habilidade do bom planejador manifesta-se.

Para ilustrar esta afirmação, tomemos o exemplo que Julio Ribeiro apresenta no mesmo texto, quando comenta sobre uma pesquisa que fez sobre inadimplência em prestações da casa própria.

Uma pesquisa comum não falaria nada além do que já se sabe: pontuais afirmariam que a prestação é prioridade do orçamento, e os inadimplentes afirmariam que alimentação é a prioridade. Uma pesquisa simples e tradicional com aquele questionário básico facilmente tabulado com softwares próprios não iria oferecer respostas para além destas.

Foi preciso pensar numa metodologia muito particular e diferenciada para chegar à conclusão de que vários fatores influenciavam na questão, tais como o prazer da sensação de estar driblando o governo, ou ainda o prazer de sentir-se esperto ao livrar-se dos juros ao pagar sob pressão judicial. A pesquisa descobriu que, excetuando-se aqueles com reais problemas financeiros, haviam alguns que escandalosamente investiam o dinheiro da inadimplência em especulação imobiliária.

Assim, para planejar hoje, há de se reservar uma grande parte de nosso tempo útil à contemplação. Não uma contemplação passiva, mas uma contemplação ativa, e mesmo especulativa para que a partir disso possamos, antes de encomendar uma pesquisa, entender com mais clareza aquilo o que precisamos saber e COMO precisamos saber.
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[1] Ribeiro, J. FAZER ACONTECER. Cultura, São Paulo, 1994. – Capítulo 07 – E AGORA, O QUE É QUE EU FAÇO COM ESTA PESQUISA? Págs. 63 a 68.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

POESIA POPULAR, POESIA DA PERIFERIA.

Mavot Sirc declamando "Máscara"
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Mavot Sirc é o pseudônimo artístico de Cristovam Martins, poeta popular. É nascido na cidade mineira de Boa Esperança, a mesma Boa Esperança imortalizada por Lamartine Babo, terra de Rubem Alves. Ainda na infância transferiu-se com a família para São Paulo.
Eclético, Cristovam se auto-intitula "fã nº 01 de Pink Floyd", nos anos 70 foi ativista do movimento anarcopunk e mais tarde tornou-se técnico em eletrônica. Sem renunciar ao lado rockeiro, sonhou em tornar-se padre nos anos 80 após experiências gratificantes em movimentos de juventude católica, passando por institutos religiosos em Santa Catarina e São Paulo. Mas a vida o levou para outros caminhos. Não concluiu a faculdade de filosofia, mas foi lá que teve a oportunidade de participar de seus primeiros concursos literários.
Artista inovador e produtor cultural, nos anos 90 participou da extinta banda de hard rock "Bando Central", não como músico, mas introduzindo elementos exóticos nas apresentações como declamações dramatizadas de seus poemas e números de dança do ventre, recebendo elogios de Marcelo Nova, ex-parceiro de Raul Seixas.
Após a dissolução do Bando Central, Cristovam focou seu trabalho em movimentos populares de cultura. Hoje atua junto à Cooperifa, Cooperativa Cultural da Periferia na zona sul paulistana, participando de muitos projetos interessantes, com destaque para a publicação do livreto/CD "Sarau da Cooperifa", coletânea de 26 obras com artistas populares diversos, patrocinada pelo Itaú Cultural.
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"Feio é ter conta cheia lá no banco
E o coração vazio ali no canto.
Feio é ter muito bem
E não ter ninguém que te quer bem".
(extrato de "Pobreza", de Mavot Sirc)

APROXIMAR-SE E SENTIR O CONSUMIDOR - O QUE É ISSO?

Fórmulas mecânicas e exatóides aplicadas ao planejamento de comunicação não funcionam mais, se é que um dia funcionaram.

Pessoas com diploma universitário vão ouvir Maria Rita e vestir Brooksfield, e pessoas com alfabetização básica ou incompleta vão ouvir Calypso e vestir C&A. É verdade? Podemos confiar nisso? Claro que não. Planejar publicidade usando fórmulas “universais” tipo A + B = C é uma furada. O dogma acabou virando heresia.

Um caminho possível para entender o desafio de planejar propaganda hoje é entender os processos sociológicos e psicológicos pelos quais as pessoas estabelecem suas identidades e valores – isso é uma das formas que mostra o que eu quero dizer quando falo em aproximar-se e sentir o consumidor.

Toda cultura social possui seus processos de valoração; na atualidade, entre outros, dois deles nos chamam a atenção: o culto do perfeccionismo ególatra, e o culto da velocidade.

Estudantes hoje em hipótese alguma aceitam serem avaliados por seus professores, sequer toleram uma observação sobre erros ortográficos, por exemplo. Vê-se neste caso o culto ao perfeccionismo; não aquele perfeccionismo compreendido a partir da obstinação, mas a partir de uma não intervenção absoluta sobre atos e decisões, nada de critérios externos: o ego torna-se o único critério de valoração.

O diferencial oferecido hoje pelos produtos tecnológicos é justamente o da velocidade de execução. Universidades oferecem cursos de pós-graduação a serem iniciados por estudantes com 50% da graduação concluída. São exemplos do culto à velocidade – o tempo da civilização digital é um tempo que transcorre numa velocidade incrível.

Mas, o que isso tem a ver com a perplexidade de se observar que consumidores que, apesar de sua elevada posição na pirâmide social, consomem produtos culturais tidos como de baixa qualidade, ou seja, o brega, o populacho, o “kitch” dos frankfurtianos?!

Vladimir Safatle, analisando a publicidade contemporânea afirma que “(...) não é um posicionamento de valores “exclusivos”, mas um posicionamento “bipolar”. Ou seja, ele é assentado em valores contrários. O que, aparentemente, seria um erro crasso de posicionamento revela-se uma astúcia. Por um lado, permite ao consumidor identificar-se com a marca, sem, necessariamente, identificar-se com um dos seus pólos. Mas, principalmente, este posicionamento bipolar pode funcionar porque os próprios consumidores são incitados a não se identificarem mais com situações estáticas. A publicidade contemporânea e a cultura de massa estão repletas de padrões de condutas, construídos através de figuras para as quais convergem disposições, aparentemente, contrárias. (...)”[1]

Assim sendo, ouvir Calypso ou assistir Ratinho tornam-se atitudes permitidas ao professor universitário, à advogada que atua numa grande multinacional, ao proprietário da rede de concessionárias de uma marca de veículos importados, ao assessor da diretoria da empresa e assim por diante na medida em que os “dispositivos” que justificam o consumo produtos com a característica “kitch” são acionados.

O dispositivo da velocidade diz que os tidos produtos culturais elitistas prescindem de tempo para que se possa desenvolver critérios para a sua valoração, através dos processos mentais de compreensão dos mesmos, o que exige coisas como a leitura e o domínio de conceitos cada vez mais profundos, afim de ter acesso às difíceis linguagens dos produtos culturais “de qualidade”, o que a princípio agregaria valor de refino e distinção social ao consumidor que conseguisse concluir tal processo.

Tudo isso desemboca em conjunto num processo de reflexão, que é uma prática lenta por excelência... e, se não há tempo a perder, então a apreciação da “qualidade elitista” torna-se inviável.

Diante disso, por que não consumir o neoforró do Calypso? Afinal de contas, minha posição e meu ego são perfeitos, e ainda há de surgir algum fator que macule minha posição e status na sociedade. Por que então considerar isso um rebaixamento social?

Assim, temos aqui comentários que versam sobre uma das explicações possíveis aos novos paradigmas de consumo na atualidade, um verdadeiro desafio aos planejadores de comunicação.



[1] Safatle, V. ALGUMAS HIPÓTESES SOBRE A RECONFIGURAÇÃO DA RETÓRICA DE CONSUMO. In: Revista da ESPM, vl. 13 ano 12 ed. 5 – set./out. 2006, págs. 110 a 118.

segunda-feira, 30 de julho de 2007

A arte de Alcides Pereira

Alcides Pereira dos Santos nasceu na Bahia em 1932, mas migrou para Cuiabá na mocidade. Teve inúmeras profissões e foi aluno de Dalva de Barros no Atelier Livre da Prefeitura de Cuiabá, montado em meados dos anos 70 de onde saíram os principais nomes atuais das artes plásticas mato-grossenses. É um artista único dentre os pintores populares brasileiros, por fazer um trabalho que não descende de nenhuma das vertentes tradicionais que os inspiram: a história em quadrinhos, a ilustração e a fotografia. Alcides vem de uma linguagem "estradeira", que se manifesta nas imagens de paralamas de caminhões, nas placas de propaganda dos mais remotos recantos do território brasileiro. É um artista que tem um certo parentesco com os da escola Pop.
Por uma triste coincidência veio a falecer no último dia 05 de julho, dia em que foi aberta uma exposição de suas obras na Estação São Paulo, http://www.galeriaestacao.com.br/ . As obras podem ser apreciadas até 29 de setembro.

SOBRE O AVESTRUZ ESNOBE.

Foi publicada no blog do Grupo de Planejamento de São Paulo uma postagem intitulada A Síndrome da Avestruz Esnobe, na qual foi debatido o resultado de uma pesquisa da FNazca/Datafolha sobre qual seria a banda, cantor ou cantora mais ouvido do Brasil, e o resultado foi a banda popular Calypso[1].

Recordo-me de quando eu era adolescente no começo dos anos 80. Dada ocasião fiquei impressionado quando vi um pôster da dupla Chitãozinho e Xororó. Nele, os caipiras - o termo sertanejo era muito erudito para a época, além do sentido diferente do atual - apareciam num de seus shows utilizando iluminação especial com holofotes coloridos eletronicamente controlados e explosões de fumaça, palco triplo dividido em andares; perguntei-me se era mesmo uma dupla caipira ou uma banda de rock pesado.

Em meus artigos insisto pela importância do feeling no planejamento de propaganda justamente porque tenho observado fenômenos como o citado no blog do GP, paradoxais a princípio, mas logicamente compreensíveis se acionarmos em nosso feeling, deixando-nos envolver nesta nova lógica não mecânica na análise do comportamento do consumidor contemporâneo.

As classes sociais, sim elas existem, e talvez existirão sempre, e isso significa que terão suas características comportamentais próprias, inclusive enquanto consumidores, mas a partir daí apegar-se radicalmente a instrumentais ditos científicos para traçar previsibilidade dos resultados de um plano de comunicação pode ser muito arriscado.

A ESPM, Vaticano da Publicidade no Brasil percebeu isso há certo tempo. Tenho acompanhado os workshops promovidos para o debate sobre os novos paradigmas da comunicação contemporânea.

Em junho de 2006 ela promoveu o Encontro de Publicidade e Pós-Modernidade, com a presença de Michel Maffesoli, sociólogo francês de renome internacional. Neste encontro, o prof. Clóvis de Barros disse que (...) a sociedade pós-moderna exige um discurso de auto-definição menos monolítico, menos permanente e menos coerente do ponto de vista racional. É uma sociedade que “pune” menos as oscilações de apetite e, de alguma maneira, as mudanças de estratégia no comportamento social [2].

A incoerência entre as bases teóricas das ferramentas dos planejadores e o comportamento dos consumidores da atualidade nos causam perplexidade, a qual poderemos superar e desenvolver propaganda de sucesso se passarmos adiante de nosso espanto.
Sem estrelismo na mídia e sem trazer em seu conceito as consideradas características de um produto top de linha (ou seja, qualidade), a banda de neoforró Calypso é o produto de entretenimento musical mais consumido no Brasil, trespassando todas as classes sociais.

Então, precisamos refletir – o que é qualidade?

Qualidade é aquilo que existe no tema de abertura da principal novela da Globo, líder absoluta de audiência que também trespassa todas as classes? Ora, os temas de abertura das novelas em quase todos os casos são escolhidos entre a mais fina flor da elite da música que é chamada de popular brasileira.

Esperem, onde estamos? O que estávamos debatendo? Neoforró populacho como sucesso absoluto, e na novela música de altíssima qualidade consumida pelo mesmo público do Calypso? Que quebra-cabeças é este?

Conheço pessoas (observem que estou utilizando plural) que a despeito do diploma universitário que sustentam, das suas profissões e cargos que exigem apurada formação cultural ou de sua alta posição na pirâmide social trocam Veja por Minha Novela, trocam a Discovery pelo Domingo Legal do Gugu, trocam Abril Despedaçado por Deby e Lóide, e não sentem nenhum constrangimento em admitir isso publicamente, muito pelo contrário, não raro referem-se com desdém a consumidores da relação inversa.

Assim sendo, encerro dizendo que não se pode simplesmente abandonar as ferramentas tradicionais com as quais planejamos propaganda, mas hoje em dia é muito arriscado inferir que, se o consumidor vive em bairro nobre em casa própria com mais de cinco quartos com banheiro, se ele possui mais de um carro importado, se ele é graduado e pós-graduado em universidade de primeira linha em país de Primeiro Mundo, este consumidor não trocará Edu Lobo por Wagner Rossi The King – o risco de desperdiçar o dinheiro do anunciante pode ser grande.

E é aí que o feeling torna-se muito importante para o planejador, e não mais se planeja baseado somente em pesquisa e dados estatísticos, mas torna-se fundamental estar próximo ao consumidor e senti-lo.

[2] Filho, Clóvis de Barros in: Revista da ESPM, vol. 13, edição nº 05, setembro/outubro de 2006, p.41

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Agora, arte!

Gato, por Marcelo Vilela.
Artista plástico, DJ, ator de teatro e cinema e produtor cultural, Marcelo Vilela é muito conhecido no underground paulistano. Foi um dos maiores expoentes do movimento Gótico New Romantic nos anos 80 tendo sido um dos principais nomes ligados ao Madame Satã, a famosa casa noturna, templo do movimento.
É diretor do salão de beleza Engenharia do Corte onde desenvolve além do coiffeur clássico e cotidiano também o coiffeur de vanguarda, com forte influência do gótico e do punk. Pelo "Engenharia" já passaram celebridades como o ex-guitarrista da banda The Sisters of Mercy atualmente na banda The Mission, Wayne Hussey, e a americana Divine Brown que ficou famosa pelo incidente que envolveu o ator de Hollywood Hugh Grant.
Trabalhando com uma técnica que utiliza materiais recicláveis, seus temas englobam desde elementos da cultura tropicalista, passando por ícones místicos do imaginário cosmopolita até elementos do erotismo contemporâneo e releituras de culturas tribais que compõe a etnia brasileira e o punk.
No seu uso de cores, percebe-se aí forte influência da New Wave dos anos 80 e também da abordagem visual de Andy Wharol.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

CHEGAMOS AO REATORAMA!

Caros amigos

O que você vê a partir de agora foi fruto de um trabalho feito a várias mãos.
No espírito da comunicação digital, muitas destas mãos foram anônimas, porém não menos importantes.
Assim, agradeço a todos os que acharam valer a pena participar.

REATORAMA - o que significa?

Nada - é um neologismo... mas... nada? Nada não. É claro que ele tem um significado, o qual está sendo construído neste processo contínuo.
REATOR - a origem das energias.
RAMA - sufixo de origem indígena, que indica condição futura.
RE - ATAR - uma nova ligação.
REATA... e AMA!
Reagindo NO AGORA para o FUTURO.

Participe da construção do significado de REATORAMA.

O que significa este logo?


Ele surgiu a partir do seguinte conceito: o cérebro em funcionamento, do qual brotam as idéias, para o alto e para a frente.
A percepção do logo a partir de vários amigos que colaboraram foram muito diversas, mas o importante é que a maioria delas pautou-se pela idéia de fecundação do óvulo.
A fertilidade das idéias - uma das coisas importantes no espírito de REATORAMA.
E O QUE VEM POR AÍ EM REATORAMA?
Existem algumas idéias que podem ser postas em prática. Uma delas é a de, além de ser o que já é, também ser um espaço onde os artistas podem expor os seus trabalhos, sejam eles como forem: imagem, filme, música, literatura, seja o que for.
Outra idéia é a de se criar por aqui um BANCO DE CURRÍCULOS de planejadores.
Fale conosco e colabore com idéias para incrementar o Reatorama.

PLANEJAR NÃO É A ENGENHARIA DA PROPAGANDA. ENTÃO, O QUE É PLANEJAR?

Uma reflexão sobre “Nova Ciência, novo modelo, nova propaganda” de Jon Steel*.
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No Top de Planejamento deste ano de 2007, um colega colocou com bastante propriedade que a propaganda hoje não funciona mais como um “pregão de feira livre” onde vende aquele que consegue bombardear mais a cabeça do consumidor impondo marcas, ganhando quem grita mais alto. Este é um modelo no qual as marcas falam de sí para o consumidor.
Buscar modelos de como planejar propaganda é uma prática intensa entre os planejadores que normalmente trocam entre si estudos de cases de sucesso.
A cadeia produtiva da propaganda espera dos planejadores a previsibilidade de resultados, a certeza de estar atuando num futuro case de sucesso. Nada há de errado nesta mentalidade, exceto impor aos planejadores a responsabilidade total sobre o resultado final de uma campanha. Pressionados, buscam modelos calcados em procedimentos mecânicos que lhes dê segurança de atuação. Agindo assim passam a acreditar que estão trocando uma insegura aposta na sorte pela segurança de um resultado calculado.
Esta mentalidade exige auto-crítica – é impossível encarar o planejamento como se ele fosse igual à engenharia, que usa ciência e técnica para desenhar uma planta a partir da qual se constroem máquinas que garantem os resultados almejados.
Não é assim que se atingem os objetivos de um briefing.
É impossível planejar ignorando, em nome da técnica, a multiplicidade de variáveis e significados que surgem da percepção de uma campanha pelos consumidores, criando a ilusão de padrões de reação genéricos aplicáveis conforme classe e nichos. Os planejadores seriam no mínimo ingênuos se acreditarem que a partir da análise de uma série de cases de sucesso podem localizar a repetição de coincidências e criar uma “lei científica” aplicável à propaganda.
Como bem diz Jon Steel, “Em geral as melhores soluções publicitárias surgem do caos aparente”.
A propaganda deve compreender que ela se dirige a pessoas, e pessoas são de forma isolada e coletiva elementos extremamente complexos em suas reações, o que nos impede planejar propaganda como engenheiros planejam máquinas.
Há um restaurante de sucesso muito tradicional em São Paulo, o Sujinho, conhecido por servir a melhor bisteca paulistana. Qual planejador seria louco o suficiente para propor a um anunciante a associação de sua marca à sujeira, ainda mais no segmento alimentício?
Ainda em São Paulo há (ou houve) outro bar que ficou conhecido por ser freqüentado por pessoas que queriam desabafar dores de traição amorosa. Consolidada a tradição, foi apelidado de “Bar do Corno”, e começou a atrair curiosos e pessoas no perfil descrito, virou sucesso.
O negócio ia muito bem até o proprietário começar a investir nesta identidade institucional, começando pela reforma da decoração que explorou a fartar o ícone dos chifres. Passado algum tempo, precisou rapidamente refazer a decoração, desassociando o bar desta imagem sob risco de falência.
Ao planejar não podemos ignorar o fator sorte, e bons planejadores devem treinar o máximo possível seu feeling para perceber aquelas oportunidades que ocorrem uma única vez, e lançar a campanha no momento certo, nem antes, nem depois.
Jon Steel citando Chris Heath diz: "não são os planos imaginados que fazem a diferença, é a habilidade com a qual você usa os acidentes".
Então quer dizer que o trabalho dos planejadores é semelhante ao de médiuns que usam a intuição e desprezam o racional? Não, não se trata se simplificar as coisas desta forma, mas os desdobramentos dos novos modelos de propaganda são assunto para várias outras reflexões e estudos.
Fiquemos com a orientação de que a propaganda deve procurar aproximar-se das pessoas e senti-las, entendê-las não na perspectiva da busca de um modelo universal, mas acompanhando o consumidor como parceira, atendendo-o em cada uma de suas múltiplas nuances comportamentais, nem sempre lógicas.

* Steel, Jon. VERDADES, MENTIRAS E PROPAGANDA . Negócio Editora – págs. 23, 24, 25 e 26.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

DIÁLOGOS BAHIANOS.

Os “Diálogos Bahianos” surgiram do intercâmbio e debates que têm ocorrido em interlocução com meu amigo Júlio César, planejador que atua numa das principais agências do mercado bahiano.


Parte 1 - A cachaça e o Cristo Redentor.
Júlio sugeriu explorar o documentário "Inside Saatchi & Saatchi: A Spirited Case Study", de 40 minutos, que fala de uma campanha veiculada na Inglaterra para o lançamento da cachaça Sagatiba por lá. O documentário foi veiculado na BBC e só no Reino Unido foi visto por mais de 2,5 milhões de pessoas.

Caro amigo Júlio
Há mais ou menos uma década que o mercado brasileiro de bebidas discute e desenvolve idéias buscando internacionalizar a cachaça, e para tanto ela deve ser revestida de status de bebida requintada. Vejamos o exemplo de marcas e embalagens de cachaça que têm surgido de alguns anos para cá. Ademais não é novidade para ninguém que o próprio governo brasileiro e os produtores de cachaça há anos se esforçam para desenvolver o conceito de cachaça tipo exportação.

Dentro do Brasil é difícil desvincular culturalmente o conceito de cachaça do estereótipo de bebida rústica, consumida por pessoas de limitado nível sócio-econômico e cultural - na linguagem dos publicitários, as classes C e D, ou ainda, as classes populares.

Torna-se inusitado pensar numa marca de cachaça exposta na prateleira de um bar no lounge de um hotel de alto nível colocada ao lado de outras marcas consagradas de uísque, licor, vodka, conhaque, brandy, gin e outras.

Cavalinho, Pitu, 51, Tatuzinho, Velho Barreiro entre outras, fazem com que nosso imaginário imediatamente nos remeta à imagem do boteco em que os apreciadores de drinks divertem-se jogando bilhar em mesas acionadas a fichas que custam um real ao lado de outros que entusiasmados curtem uma peleja de dominó, tudo animado pelo som de um CD pirata adquirido na banquinha clandestina da feira-livre que faz os corações palpitarem na melodia do último sucesso de uma das principais duplas sertanejas do momento.

Muito se fala sobre a tequila mexicana que tinha este mesmo significado cultural que a nossa cachaça tem por aqui - birita rústica de pobre – porém, depois de um processo dentro do México que serviu de inspiração ao que está se tentando fazer aqui com a cachaça, foram criadas marcas para serem consumidas pela elite e se transformou em produto de luxo para exportação.

Cabe lembrar que tanto o scotch uísque assim como o uísque de milho, o bourbon americano, anos atrás eram bebidas tão rústicas quanto a imagem que temos da cachaça. Hoje há marcas que chegam a conquistar “selo real” atestando alta qualidade.

Certa vez visitei uma feira vinícola onde havia participação em menor grau de produtores de outros tipos de bebidas. Lá eu vi uma série de fotos divulgadas por uma destilaria escocesa, mostrando a cerimônia de atribuição do selo real pelo príncipe Charles em pessoa, inclusive trajado com a kilt, a famosa saia masculina com estampa xadrez, dirigindo todo um cerimonial que incluía lances de se provar ritualisticamente o uísque, quebrar a taça, fazer rolar um barril e quebrá-lo, espalhando a bebida pelo chão da adega como uma espécie de batismo.

Claro que isso era interessante ao governo britânico: qual o valor internacional de um uísque legitimamente escocês que leva um selo de qualidade conferido pela corôa britânica em cerimônia presidida pelo príncipe em pessoa?!

Sabia Júlio que originalmente Johnnie Walker era uma marca de... CHÁ? Isso mesmo, John Walker era um profissional "blender", isso é, tinha o olfato supertreinado para classificar e selecionar tipos e tipos de ervas para chá; na primeira metade do século XIX quando então tinha quinze anos herdou um pequeno capital da família o qual investiu num pequeno comércio, um armazém de secos e molhados, onde comercializava principalmente diversos tipos de chá e onde se servia o drink preferido dos escoceses, obviamente, o uísque... ou seja, John Walker abriu um simples boteco.

Percebendo que o uísque produzido e consumido naqueles tempos na Escócia podiam muito bem levar marcas como Mud Elder, Small Horse, Fifty-One, Small Armadillo, Big Shrimp etc., e percebendo que alguns tipos de uísque eram mais procurados que outros, teve a idéia de aplicar seu know-how de blender de ervas para chá aos maltes para uísque... todos nós sabemos qual foi o final da história, construída por John Walker e seus descendentes... sai uma Joãozinho Caminhante aí...

Temos então um case de sucesso em que um empresário acreditou na possibilidade de refinamento de uma bebida rústica.

Considerando então a história do uísque e a história da tequila, por que então não podemos pensar na cachaça tipo exportação, na exótica caipirinha sendo servida nos refinados bares da Europa?

Bem meu caro Julio, se você quer saber mesmo a minha opinião sobre o case da Saatchi e Saatchi londrina, o lance é: louca a campanha né?!

Acredito que no Brasil a campanha seria inviável. Nem a Igreja e nem o Estado iriam engolir a associação da cachaça com um símbolo religioso. E ainda é preciso considerar a questão dos interesses de mercado que vão decorrer da recente escolha do Cristo Redentor como uma das maravilhas do mundo.

Quanto à criatividade da campanha, bem, em se considerando tratar-se de europeus, foi muito bom porque no Brasil Joãozinho Trinta há muitos anos já utilizou a imagem do "Cristo Vendedor".
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NOTA DO AUTOR - Uma curiosidade sobre a origem da marca de cachaça 51:
Recentemente a Sociedade Esportiva Palmeiras obteve sucesso junto à FIFA para que o título de campeão da Copa Rio conquistado no ano de 1951 fosse reconhecido como o primeiro obtido num torneio mundial interclubes na história do futebol. E a origem da marca 51 tem profunda relação com esta questão.
Na época, uma família de italianos do interior paulista, torcedores fanáticos do Palmeiras, administravam uma destilaria. Com o título criaram a marca que tinha formato original de Palmeiras 51.
Anos depois a destilaria foi vendida, e com ela a marca, que foi transformada em Pirassununga 51, com direito à sutil brincadeira ortográfica, pois sabemos que a gramática oficial do português brasileiro obriga o uso de cedilha na grafia de palavras de origem indígena.

Veja o trailer do documentário:
http://www.filmsmediagroup.com/id/12041/Inside_Saatchi_and_Saatchi_A_Spirited_Case_Study.htm


Parte 2 – A Disneyworld dos Planejadores.
Nesta ocasião Júlio sugeriu o debate sobre o artigo de Rita Almeida que comenta a questão dos blogs de planejadores, publicado pelo jornal Meio & Mensagem nº 1255 de 23 de abril de 2007; nele Rita Almeida questiona o real valor dos blogs como fonte de referência teórica para os planejadores e ainda faz um paralelo entre as práticas das gerações de planejadores que vieram antes e depois do advento da Internet.

Olha Júlio, eu não sei se a percepção que você tem da minha pessoa é a mesma ou pelo menos semelhante à percepção que tenho de mim mesmo como planejador e blogueiro.

Tomando como referencial as idéias debatidas por Rita Almeida, percebo-me como alguém que ficaria no meio de campo da polaridade por ela apontada, entre os planejadores pré e pós Internet.

A minha origem é acadêmica. Tive uma juventude de barata de biblioteca, fui professor, candidato a intelectual que um belo dia cismou que deveria seguir um outro caminho, e fui para a publicidade.

Os planejadores no meu entender são a parte intelectual da agência, a "intelligentsia", aqueles que se preocupam com a ciência da comunicação e lançam pelo menos em parte as bases teóricas para o trabalho das duas instâncias posteriores do processo de produção publicitária – criação e mídia – e conta com tremenda colaboração da instância anterior, o atendimento. Tudo, obviamente, numa perspectiva de interação e troca.

Em geral os planejadores cada qual a seu modo e estilo são muito compenetrados, cultos, informados, letrados...

Quando estou na agência desenvolvendo um projeto complexo é fácil para os colegas perceberem.

Na primeira fase eu fico andando de um lado para outro solitário, olhando para baixo, com a mão no queixo como uma versão ambulante d’O Pensador de Rodin por tempo inderteminado, exceto pelo dead line

Então, quando me canso de andar chega hora de sentar e começar a escrever, ainda solitário e concentrado.

Quando então o primeiro boneco do projeto fica pronto, começa o estardalhaço: é hora de distribuir uma cópia para todo mundo e agendar a apresentação/apreciação/discussão interna do plano.

Assim como a cara das universidades mudou com o advento da internet, a cara dos planejadores também mudou, já que seguem até certo ponto o modelo dos pesquisadores universitários.

Assim como hoje a internet provoca uma revolução nos mais diversos conceitos, o planejamento não poderia escapar disso.

É claro que a cara das novas gerações de planejadores é bem distinta da antiga geração. E não poderia deixar de ser diferente.

Caro amigo Júlio, se você já analisou meu blog perceberá que sou um ser híbrido entre a antiga e a nova geração, uma "barata de biblioteca digitalizada"

Bem, se você queria uma apreciação ao artigo sugerido, ei-la... cara, muito legal isso: a troca, estamos trocando know-how, expertise, informações, opiniões... valeu soteropolitano!

Leia o artigo completo de Rita Almeida:
http://www.meioemensagem.com.br/novomm/br/Artigo.jsp?id=701
1º SEMINÁRIO DE PESQUISA DO CENTRO DE ALTOS ESTUDOS EM PROPAGANDA E MARKETING DA ESPM.

O evento aconteceu nesta última quinta-feira, 28 de junho, e foi composto de um painel onde pesquisadores ligados ao Centro apresentaram relatórios sobre o andamento de suas pesquisas.

Foram diversos painéis os quais acompanhei com prazer e interesse, todos eles com assuntos os quais com certeza enriquecem minha cultura pessoal e acadêmica, bem como alimentam e atualizam o preparo profissional.

Porém, considerando a temática deste blog – planejamento estratégico de comunicação – selecionei segundo os critérios desse foco duas exposições para tecer meus comentários nos dois posts que seguem abaixo.

MODELOS E ESTRATÉGIAS PUBLICITÁRIAS NO CYBERESPAÇO.

Apresentação defendida pelo Dr. Vinícius de Andrade e pela Ms. Andréa Hecksher, professores da ESPM do Rio de Janeiro.

Ambos centralizam as pesquisas, debates, discussões e informações em geral no blog Panmedia Lab ESPM.

Segundo suas próprias palavras na introdução do blog: O PANMEDIA LAB ESPM é um laboratório de mídias dedicado às investigações em torno das inovações e dos usos das tecnologias relacionadas ao universo da comunicação, do design, do entretenimento e das artes midiáticas. Temas como propaganda e marketing digital, consumo, linguagens e identidades na cibercultura, digital trash, blogosfera e games são, assim, alguns dos objetos que este laboratório investiga, entendendo-os como elementos que compõem a complexa e dinâmica cultura midiática contemporânea. O laboratório é formado por alunos e professores da ESPM-RJ.

Os professores constituíram no blog um observatório de práticas publicitárias.

Na exposição, elencaram uma série de práticas, tais como:

SPOOF – trata-se de sátiras de filmes publicitários; muitos dos comerciais que estão circulando pela mídia neste exato momento estão sendo satirizados através de produções independentes que utilizam os elementos e do recall para chamar a atenção para outros produtos, serviços ou mesmo discussões.

MASHUPS – clipes musicais que fundem estilos, hibridizam produções, variam tecnologias e interpenetram diversos nichos de preferências.

ADVERGAMES – como o próprio nome diz, games que trazem consigo elementos de comunicação publicitária, advertising.

VIRAIS INTERATIVOS e VÍDEOS INTERATIVOS – estratégia muito em voga, fica incrementada na medida em que atrai e prende a atenção do interlocutor na medida em que este se sente como construtor do conteúdo.

METAVERSOS, MUNDOS VIRTUAIS – mais que na moda, o Second Life é um exemplo claro desta estratégica.

Quanto a este assunto tão “top” devido ao sucesso do Second Life, os pesquisadores apresentaram uma ressalva: caso queira sobreviver, os metaversos necessitam rever sua tecnologia e permitir links para agilizar a navegação na web, já que se fizeram fechados.

Como comentário eu somaria aqui os WIDGETS, que são aqueles programinhas que algumas marcas distribuem para download que contém uma série de utilitários, como notícias, informações sobre o clima, mercado financeiro etc., todos eles desenvolvidos segundo para promover a marca em questão.

Acredito que vale a pena visitar o blog do Panmedia Lab da ESPM, o link segue logo abaixo.

http://www.panmedialabespm.blogspot.com/


A LÓGICA DE CONSUMO NAS CLASSES POPULARES.

A apresentação foi conduzida pelas pesquisadoras, professoras da ESPM do Rio de Janeiro, Dras. Carla Barros e Cecília Matoso.

A pesquisa apresentou como objetivo a compreensão da lógica de consumo apresentada na atualidade pelas classes ditas “populares”, aquelas as quais costumamos classificar pelas letras C e D.

A identidade – as pessoas pesquisadas definem a si próprias como “pobres” numa relação de comparação com outras classes sociais, comparação que envolve sua prática social e os elementos simbólicos mais recorrentes em seu imaginário.

Desenvolvida na Baixada Fluminense, as pessoas pesquisadas somavam quase que como um lema à sua identidade assumida – pobre – o jargão: “sou pobre porém limpo”; outros jargões correlatos apresentados foram: “sou pobre porém educado” ou ainda “sou pobre porém estudado”.

Arroz com passas – num almoço dominical junto a uma das famílias pesquisadas, a pesquisadora saboreou arroz com passas, preparado especialmente pela anfitriã segundo uma receita divulgada no programa de TV de Ana Maria Braga.

Segundo o depoimento, a família da anfitriã e seu círculo social consideram que elementos doces e salgados num mesmo prato formam uma combinação esquisita ao paladar, porém, estavam satisfeitos em oferecer à visitante uma “comida com a qual ela estava acostumada”.

Assim, percebe-se que o objetivo era o de integrar-se à cultura da pesquisadora.

O episódio somado a outras informações leva a concluir que o conceito de sociabilidade nas classes populares dá-se em nível da reciprocidade e da solidariedade com aqueles que estão mais próximos.

Orçamento e gastos – as classes populares demonstraram-se extremamente sensíveis à promoções no varejo.

Ocorre igualmente uma valorização muito forte de marcas prediletas da família.
Identificou-se na pesquisa algumas marcas que apresentaram maior recall, p. ex.: margarina Qualy, café Pilão, macarrão Adria e azeite de oliva Gallo.
Para o supermercado é definido um teto para os gastos; no check-out, caso o teto seja ultrapassado, fazem cortes antes do fechamento da conta.
A aparência pessoal é prioridade absoluta; se for preciso não pensam duas vezes antes de cortar outros gastos para garantir a manicure semanal e a cabelereira.
Consideram como “coisa de pobre” o pagamento do IPTU à vista, ou parcelamentos em longo prazo como os praticados pelas Casas Bahia, apesar de julgarem este último inevitável na maioria dos casos.

Nas festas e comemorações valorizam significativamente a abundância; os eventos são programados de modo a garantir uma larga margem de sobras de comes e bebes, entre outros elementos. Por exemplo, constatou-se um caso de festa de debutante em que houve uma sobra planejada de dois mil salgadinhos, e a aniversariante usou nada mais nada menos que três vestidos diferentes especialmente confeccionados para o evento.

Religião e consumo – a divisão entre os católicos e evangélicos apareceu de forma equilibrada.

Quanto aos evangélicos constatou-se que as igrejas oferecem orientação e educação financeira e orçamentária para que os fiéis otimizem seus gastos.
Num caso, uma das pesquisadas declarou que sob orientação do pastor reduziu seus gastos com supermercado em 50%, redirecionando este percentual para investimentos em educação, tendo conseguido realizar uma pós-graduação em recursos humanos.

Tecnologia – as lan houses e telecentros são abundantes em bairros populares. Ao contrário do que comumente se pensa, as classes populares apresentam um significativo nível de inclusão digital.

A individuação começa a ser valorizada. Por exemplo, os cônjuges apresentam profiles independentes no Orkut, bem como os adolescentes preferem navegar em lan houses onde existe a liberdade de visitar os sites que desejam porque dentro do lar sentem-se reprimidos e vigiados.

Ocupando lugar de destaque na sala de estar e cercado de rituais de conservação, o computador doméstico é o novo símbolo de ascensão social, num fenômeno semelhante ao advento da TV colorida no início dos anos 80.
UM PRATO CHEIO PARA OS PLANNERS, MAS AINDA POUCO EXPLORADO...

LABORATÓRIO INTEGRADO DE MARKETING E CULTURA – LIMC – ECA – USP.


A Universidade de São Paulo - USP, ao longo de seu mais de meio século de existência firmou-se como um mito no cenário cultural brasileiro.

Símbolo do mais elevado padrão de ensino e pesquisa na América do Sul e uma das mais respeitadas universidades de todo o mundo, o mito tem lá seus fundamentos, mas também os seus exageros.

Não é possível aplicar uma identidade única à USP, já que ela é composta de diversas unidades, cada qual com a sua história e identidade própria.

Um dos mitos negativos relacionados à USP é o de que ela é academicista e autofágica: seu ensino não teria foco no mercado, mas sim nas ciências puras, e como tal alimenta-se de sí própria ao estar no presente formando doutos que serão os mestres das suas futuras gerações de alunos.

É comum ouvir dizer que as pesquisas de toda uma vida desenvolvidas por estes doutos interessam mais às baratas das bibliotecas em busca de condições adequadas à sua reprodução do que ao mercado; algo como uma belíssima tese de livre-docência (grau acadêmico máximo), desenvolvida em anos de pesquisa financiada pelo governo, intitulada: A influência da menstruação das baleias na coloração do Mar Vermelho.

Deixando preconceitos, falsos mitos e ironias de lado, a realidade é que, umas mais outras menos, as diversas escolas da USP terão sim preocupação em formar bacharéis que não sejam exclusivamente intelectuais e doutos, mas principalmente profissionais formados com perspectiva de atuação focada nas necessidades e tendências do mercado, da economia e da sociedade, e uma das alternativas para esta pluralidade é a construção de centros de estudo e pesquisa especializados.

Um deles nasceu na Escola de Comunicação e Artes – ECA, o LIMC – Laboratório Integrado de Marketing e Cultura.

Nada melhor que as palavras de seu fundador e mentor, prof. Luís Milanesi, para defini-lo:

Ele (o LIMC) procura descobrir as relações entre duas esferas fundamentais da sociedade contemporânea e completamente distantes, muitas vezes antagônicas: o mundo dos negócios ordenado pela racionalidade, pela precisão; e, por outro lado, o campo da cultura e das artes que privilegia o imaginário, o subjetivo. A conjunção “e” entre o Marketing e a Cultura não sugere uma junção plena e harmônica como na expressão “marketing cultural”, mas cria diversas possibilidades de aproximações, intersecções ou até mesmo conflitos. Disso resulta a pergunta fundamental: como o mundo dos negócios se relaciona, interage com o social, com a cultura, os valores e os costumes? Em que medida esses campos tão diferentes se afetam mutuamente? (...)[1]

Desde o ano de 2002 o LIMC desenvolve o ciclo de palestras sobre políticas de comunicação corporativa que ocorrem mensalmente e são muito concorridas.

Além de gratuitas, elas constituem rara oportunidade de contato direto com executivos de comunicação e marketing que atuam com valiosas marcas mais que consagradas no mercado. Para se ter idéia da importância destas palestras, já estiveram presentes a Fiat, Natura, Gerdau, Nestlé, Globo, GM, Unilever, Basf, Telefonica, Odebrecht, Alcoa, Philips, Embraer, Klabin, Tetrapack, Alcatel, BankBoston, Vivo, Boticário, Siemens, Vale do Rio Doce entre outras do mesmo nível.

Apesar de sempre encontrar-se profissionais representando agências de publicidade que estão entre as top ones do mercado, acredito que esta iniciativa do LIMC ainda não foi descoberta pelos planners, que através delas podem realizar um excelente exercício profissional, já que ali ocorre uma oportunidade rara e muito rica de se ter um contato direto com grandes anunciantes e ouvir diretamente das principais cabeças decisoras quais são seus valores, seus objetivos, suas práticas, qual a visão que eles têm do mercado, do seu papel social, da sua marca, do seu endomarketing, dos principais conceitos e valores que querem transmitir não só ao público externo mas também ao seu público interno, além do que pode-se ficar conhecendo em detalhes qual é o histórico da prática comunicativa destas empresas e suas respectivas marcas, do organograma administrativo com o qual lidam dentro da estrutura empresarial na qual se situam, o que significa sucesso e soluções para eles e quais as tendências que as quais percebem no desenrolar de sua presença no mercado.

Será que um planner pode desejar mais que um prato cheio desses?

Além do ciclo de palestras de comunicação corporativa, o LIMC desenvolve anualmente o Prêmio USP de Comunicação Corporativa, que consiste na disputa entre inscritos da apreciação de cases de sucesso que são expostos em seção e analisados por um corpo de jurados, composto de personalidades e profissionais de destaque, selecionados de forma eclética entre diversos setores da sociedade, contemplando sempre a pluralidade à qual o LIMC se propõe na intersecção do mundo dos negócios com o mundo da cultura e das artes.

LABORATÓRIO INTEGRADO DE MARKETING E CULTURA.
www.eca.usp.br/servicos/laborato/index.htm
Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443 (prédio principal da ECA-USP).
1º andar, sala 118 - Cidade Universitária.
São Paulo - SP.
05508-900
Fone: 55 11 3091 4314 limc@eca.usp.br

[1] Introdução ao livro: Políticas de Comunicação Corporativa, organizado pelo LIMC e publicado pela COM-ARTE em São Paulo, 2005.

FAITH POPCORN, TED NELSON E A COMUNICAÇÃO DIGITAL.

A Nostradamus do marketing - Em 1991, Faith Popcorn entrou para a história internacional do marketing ao publicar seu relatório, o qual tornou conhecido o conceito de cocooning (em inglês, encasulamento).

Apelidada de a Nostradamus do marketing, Popcorn tornou-se referência para profissionais de propaganda e marketing no início da década de 90, algo semelhante ao que Jon Steel representa para os planners hoje – uma referência universal.

As previsões de tendências de Popcorn hoje aparentam ser de uma ingenuidade tamanha que julgamos ser o sucesso de suas teorias apenas um grande case de marketing bem sucedido. Porém, talvez não sejam.

Ainda não podíamos falar de informatização pessoal e de Internet como fenômeno de massa naquela época, e este fator, o qual consolidou-se somente no final dos anos 90 como revolução, fez com que os conceitos e percepções da realidade mudassem tanto e de forma tão rápida que mal percebemos estar mergulhados na realidade prevista por Popcorn há quase vinte anos atrás.

Encasulamento, o que é? - Voltando ao cocooning, só para não deixar esta citação perdida sem explicação, trata-se fundamentalmente da tendência da busca pela proteção em nossa sociedade contemporânea, na qual viveríamos em casulos que impediriam o contato direto com outras instâncias sociais como o casulo armado, nossa casa e o casulo nômade, o automóvel.

Seria Popcorn uma pensadora original? - Nunca tive a oportunidade de desenvolver um estudo sistemático das idéias de Popcorn, mas percebo que ela foi antecedida na história nos primórdios do capitalismo a partir da burguesia na Europa do século XVIII; por exemplo, vejamos a arquitetura burguesa nas relíquias coloniais brasileiras como Parati e Olinda. Os solares apresentam paredes bem grossas cujas janelas têm parapeitos que se estendem por mais de meio metro, afunilando-se até uma abertura sempre pequena que lembram ameias de fortalezas.

A egonomia e o consumidor de hoje: A egonomia fala sobre a produção personalizada das mercadorias individualizadas. Vejamos a campanha que está na mídia do Banco do Brasil – Banco do João, Maria, Paula, Edson etc. como um exemplo bem pertinente desta previsão. Marcello Magalhães, planner da Giovanni, em sua palestra no Top de Planejamento 2007 falou que hoje as marcas são mais sensíveis e, ao invés de bombardear a cabeça do consumidor impondo um padrão de desejo e impulso de consumo, procura aproximar-se e entender cada consumidor para oferecer justamente aquilo o que ele procura.

TED NELSON – o cocooning na Internet e a via da libertação. O pai do hipertexto, o filósofo americano Ted Nelson olha com desconfiança para os atuais conceitos de informática. Ele os considera limitadores das possibilidades oferecidas pelos computadores.

Para Nelson, os treinamentos de informática nada mais são que a transmissão de determinadas convenções impostas pelos líderes do mercado de informática.
As várias possibilidades de se criar, por exemplo, um editor de textos ou um navegador com funções e ferramentas completamente diferentes das apresentadas pelos dos sistemas mais utilizados – Macintosh e Windows – nem de longe passam pela cabeça dos usuários da atualidade, excluindo-o do verdadeiro espírito da revolução digital.

Programar ou utilizar – a troca: Nos primórdios da informatização, os modelos comercializados podiam ser limitados em termos de velocidade e armazenamento, porém, conferiam ampla liberdade ao usuário na medida em que este podia PROGRAMAR, ou seja, criar em seu computador pessoal funções e ferramentas personalizadas sem a ajuda de nenhum profissional especializado. Hoje, o direito de programar tornou-se monopólio de especialistas. Trocamos com este direito por uma arquitetura organizacional de dados baseada em arquivos fechados, ou ainda por um pacote de funções desenvolvidas para adaptar-se a quaisquer tipos de serviços, mas tudo polivalente, pensado para atender não à necessidade pessoal de cada um, mas sim adaptar esta necessidade às ferramentas disponibilizadas.

Lembro de um amigo que desde o final dos anos 70 vivenciou jóias como o XT, monitor de fósforo monocromático e o wordstar... e hoje mantém em seu home office dois computadores de última geração, e, pasmem: apesar de ter a seu dispor máquinas formidáveis não abriu mão do seu XT, nem de sua impressora matricial porque nele desenvolveu um programa fundamental para administrar os contatos comerciais de sua empresa, e por mais que explore versões mais recentes do pacote Office da Microsoft, não consegue encontrar ferramenta ou função que lhe garanta sequer resultado aproximado.

Popcorn e Nelson – o paralelo.
Acredito que com o auxílio da versatilidade do nosso raciocínio podemos estabelecer um paralelo entre as previsões de Popcorn e as preocupações de Nelson.
A situação talvez seja mais agressiva do que percebemos em nosso estressante cotidiano. Usando aplicativos deixamos de reter nossos próprios dados no universo informatizado já que os donos dos sistemas como a Microsoft ou a Apple tornaram-se proprietários dos dados possíveis de serem operacionalizados na informática praticada hoje em dia.
Quando podíamos programar, fazíamos o que queríamos em nossos computadores pessoais; hoje, precisamos pagar a eles pelos aplicativos, e pior: não para fazer o que queremos, mas para adaptar o que queremos ao que eles nos permitem fazer. Assim, parece que em busca de segurança – a segurança de estar integrado ao universo digital permite viver identidades e possibilidades que, apesar de virtuais, alimentam a perspectiva que Popcorn chamou de aventura da fantasia – sair do casulo mas de modo seguro – fazendo com que contraditoriamente à tendência da egonomia recaíssemos num casulo virtual dos sistemas operacionais e aplicativos.
Os planners e as perspectivas estratégicas: Tais reflexões são fundamentais para a compreensão do comportamento do consumidor, uma vez que implicam em se pensar, rever e mesmo prever as tendências da estética, dos conceitos de tempo e velocidade, dos conceitos de entretenimento entre outros, e a dinâmica com a qual podemos nos deparar no processo da vivência social da economia de mercado, e entender qual o papel da comunicação publicitária diante disso.

Trata-se de um projeto de construção intuitiva de um conjunto de perspectivas mais que estratégicas, fundamentais para o sucesso dos projetos publicitários que estamos desenvolvendo para os nossos clientes e suas bases teóricas e práticas. Provavelmente poderemos, assim como fez Popcorn, prever as tendências futuras do comportamento social e, no que diz respeito à nossa função na cadeia de produção publicitária, garantir que estejamos acompanhando a dinâmica comunicativa desta complexa sociedade contemporânea para o sucesso e garantia de satisfação dos nossos clientes.

THEODOR HOLM NELSON nasceu em 1937 nos Estados Unidos, graduado em sociologia e filosofia, criador de termos como hipertexto, hipermídia, hiperlink, transclusão e virtualidade. Seu trabalho é focado na busca da acessibilidade dos computadores a todo e qualquer tipo de pessoa, e sua principal máxima é:
Uma interface para um usuário deveria ser tão simples que um iniciante, numa emergência, deveria entendê-la em 10 segundos.
FAITH POPCORN é graduada pela Universidade de Nova York, e atuou com destaque na área de criação publicitária em agências antes de abrir em 1974 sua empresa, a BrainReserve consultoria, vindo a notabilizar-se perante o mundo com a publicação de O Relatório Popcorn em 1991. Atua com branding e new business, e atende a clientes como a Nissan, Procter & Gamble, American Express entre outros.
I Seminário Internacional de Publicidade e Pós-Modernidade – ESPM, maio de 2007.

Seguindo a tendência que se observa da aproximação entre a comunicação publicitária e as ciências humanas, a ESPM através de seu Instituto Cultural e do Programa de Mestrado em Comunicação e Práticas de Consumo promoveu nos dias 29 e 30 de maio de 2007 este evento que contou com a participação não somente de intelectuais brasileiros e europeus dedicados ao estudo da comunicação e da publicidade na pós-modernidade, mas também de empresários e profissionais da propaganda e marketing marcaram presença nestes dois dias de estudos e debates, sob a liderança do prof. Clóvis de Barros Filho, da ESPM, e como principal convidado o francês Michel Maffesoli (ao lado).

Só peço desculpas de antemão se nesta síntese não fui capaz de reproduzir os conceitos tratados com o rigor científico e acadêmico que merecem.
1º dia.
O evento foi aberto pelo atual diretor da ESPM, Prof. Dr. Luiz Celso de Piratininga, que numa colocação breve, descontraída e bem informal fez uma comparação inusitada entre as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, classificando a primeira como uma cidade dionisíaca, isto é, dada ao prazer ao lazer e ao lúdico, e a segunda como apolínea, dedicada à racionalidade, ao trabalho disciplinado e formal. Comparação um tanto que estranha porque a princípio sabe-se que estes estereótipos estão totalmente invertidos, mas ele logo explicou o porque. A São Paulo de hoje é uma cidade que sabe cultivar o prazer, com sua rica gastronomia, seu intenso movimento cultural, seus cidadãos que incorporaram a cultura do happy hour, ou seja, a São Paulo de hoje é uma São Paulo apaixonada. Já o Rio de Janeiro é uma cidade onde os cidadãos estão sempre preocupados com a disciplina física pelo culto à beleza corporal. Ali, o trabalho e a organização se fazem sempre presentes por uma cidade que, enquanto vitrine do Brasil para o mundo deve sempre demonstrar organização e trabalho. O dionisíaco e o apolíneo nada mais são que etapas que se sucedem no tempo, e na ruptura da substituição da pós-modernidade, o olhar vai para além dos estereótipos fazendo com que as semelhanças e as diferenças sejam motivo de união dos povos.

Prof. Dr. Michel Maffesoli – Universidade Sorbonne – Paris. Intelectual de primeiríssima grandeza e renome internacional, o prof. Maffesoli foi a grande estrela do evento contribuindo com a sua descomunal bagagem de conhecimento que exigiu dos presentes um alto grau de concentração para acompanhar e compreender os complexos raciocínios desenvolvidos sobre profundos conceitos.

Acredito não ser conveniente esmiuçar aqui passo a passo a palestra do prof. Maffesoli, mas sim apontar os principais elementos da sua linha de raciocínio que buscou definir o significado atual da pós-modernidade.
Falou ele sobre a forma, aquilo que está para além do pós-moderno, o seu conteúdo e seu continente.

O esporte, a religião, a música, a política etc. são elementos que hoje exercem imensa influência e movimentação sobre as massas – uma orgia, no sentido de paixão comum.

A partir disso então surge uma mitologia, e com ela, as imagens que demonstram uma ordem de amores – grandes ídolos, em torno dos quais ocorre esta orgia. Porém, sabemos que nossa cultura é uma cultura marcada pela tradição judaico-cristã, tradição esta que nega estas imagens, os ídolos, uma cultura iconoclasta. Um conflito.

Com a pós-modernidade ocorre então um retorno às imagens, aos ídolos, às celebridades em torno das quais a orgia ocorre, favorecida pela tecnologia que permite a organização holística dos iniciados e do seu culto aos seus ídolos – a ordem do amor induzida pela imagem, e a publicidade torna-se então a arte do banal e do comum, da vida nababesca e do mundo de abundância.

Prof. Dr. Juremir Machado – PUC do Rio Grande do Sul.
Com uma exposição tanto objetiva como bem humorada, o prof. Machado buscou expor uma breve definição do que entende por publicidade, partindo de duas hipóteses; a primeira é a de que ela é um mal necessário, e a segunda é a de que ela é um bem desnecessário.
Seria a publicidade então uma tecnologia do imaginário? Ou um complô dos criativos contra os idiotas?
E quem seria o publicitário? É aquele que acredita que vende um produto? É aquele que acredita que vende um conceito... ou é aquele que acredita que vende um vício imaginário.
O primeiro é o realista que quer vender o produto pelo produto.
O segundo é o artista, o criador, o intelectual.
Já o terceiro é aquele que vende o mal necessário, o dionisíaco para quem o sentido da vida é que ela só vale a pena na medida em que for perdida.
A publicidade é então a pornografia do mundo contemporâneo: vende vícios, os vícios que se sustentam na compulsividade de trocas, trocas e mais trocas. O último discurso revolucionário – só nos faz o bem quando nos vende o mal... prazer, glutonaria, luxúria, embriaguês.
É a sociologia dos tempos atuais porque seu sentido único é inventar necessidades as quais não temos. Por exemplo: o que leva um cidadão a tornar-se assíduo espectador do Big Brother? Três motivos: um, porque ele é um idiota; dois, porque ele não tem o que fazer, e três, porque o Big Brother instaura a democracia fazendo as pessoas famosas sem muito esforço pessoal.
Assim, na senda das colocações do prof. Maffesoli, o prof. Machado (ex-orientando de Maffesoli) classifica a publicidade como uma “mitolorgia”, a sacanagem pura, o gozar, comprar é gozar, os shoppings são bordéis onde o gozo coletivo é oferecido para todas as idades – a putaria total.
E fecha com bastante ousadia dizendo que a principal imagem do século XX é a de Apolo sendo sodomizado por Dionísio atrás da escada rolante de um shopping center.

Hiram Castelo Branco – sócio-diretor da Giacometti Publicidade.
Em sua colocação, Castelo Branco retomou a publicidade dos anos 70 num saudoso painel no qual expôs diversos comerciais de bastante sucesso na época, com o objetivo de discorrer sobre a construção de marcas no mercado brasileiro, e como que a elevação da auto-estima do brasileiro foi uma das conseqüências deste processo.
olkswagen, Unibanco, Cônsul, Avanço, várias marcas que cresceram e se consolidaram num período cuja publicidade foi marcada por uma ingenuidade tão intensa quanto o seu bom gosto e elegância, construtiva e interessante, que define uma das principais características da publicidade brasileira, característica esta não tão intensa na atualidade, apesar de sempre presente.

Marina Kotsantonis Pechlivanis – sócia-diretora da Umbigo do Mundo Publicidade e mestranda da ESPM.
Discorrendo sobre sua tese, Marina falou sobre a presença da marca de fast-food Giraffas na perspectiva da ex-perimentação do tempo e espaço, como ex-periência do ver, ver a realidade como uma das características do conhecimento pós-moderno.
A ex-periência do ver é menos reflexiva e mais ex-perimental. Cada experiência é um presente puro que independe das categorias de tempo e espaço para se efetivar, constituindo então um hiperespaço. As tribos contemporâneas são um exemplo de elementos definidos pela forma, e não pelo conteúdo, no entrecruzamento flexível de uma multiplicidade - percebam aqui a influência do prof. Maffesoli, cujas obras estão no referencial teórico de sua pesquisa.
A socialidade das tribos dá-se pela aparência e superficialidade desindividualizados num grande theatrum mundi de uma forma lúdica.
A partir disso surge a experiência do policulturalismo no qual os grupos se organizam em territórios e com os seus símbolos.
Assim, o Ex – X – é o indeterminável; x-tremo, além de códigos e sentidos; x-incompreensível, para além de conceitos fechados, x-incógnita – as faixas etárias estão desaparecendo.
Nas metrópoles os fluxos metalingüísticos dão-se no fluir dos plurais, onde ocorre a experiência... onde se experimenta a experiência do consumo, das marcas, dos deuses falantes (personagens, celebridades), panoramas, como se experimenta o consumo nos shoppings, nas praças de alimentação, o ópio do entretenimento, o ecletismo da cultura contemporânea.

2º dia.
Depois de um breve discurso do lendário Francisco Gracioso, um dos monstros sagrados da ESPM que discorreu sobre a emotividade na publicidade latina, abriram-se os trabalhos do segundo dia.

Giuliano Da Empoli – Revista Zero (Itália), dedicada ao debate político e cultural.
Segundo Giuliano que apesar de romano proferiu sua palestra em francês, a pós-modernidade gira em torno dos eixos da estética, da teoria do conhecimento e da relação sociedade e política, sendo o eixo da estética o mais evidente de todos.
Para Giuliano, o mundo estaria se brasilianizando; esta brasilianização não seria algo como a aculturação imperialista tal como a influência da cultura norte-americana no mundo contemporâneo. Não se trata de um olhar imitativo do Brasil. O Brasil tornou-se a metáfora das tendências pós-modernas que estão disseminadas em nossa cultura e sociedade.
Com a queda do Muro de Berlim acreditou-se que ocorria o fim da era das paixões, das ideologias, da irracionalidade, e despertávamos para a aurora de um futuro racional; porém, em 11 de setembro a irracionalidade mostrou-se mais viva que nunca.
O carnaval brasileiro é orgia, é paixão, é imagem, é culto ao corpo; o Brasil é a capital internacional da cirurgia plástica.
Assim, temos uma importância mais que exacerbada do sexo na sociedade brasileira, e o carnaval nada mais é que o narcisismo de massa, o desejo de aparecer, a representação de si. Este exibicionismo da massa é a evolução do processo democrático, e é essencialmente ligado à comunicação.
O advento da tecnologia só veio a confirmar este narcisismo; com o podcast, e-mail e outros recursos com os quais eu divulgo aquilo o que é interessante em minha vida.
Outro fenômeno é o retorno das grandes arenas: a comunhão e as orgias nos estádios: o futebol, o carnaval propriamente dito nos sambódromos entre outros grandes eventos.
O próprio Big Brother é um retorno das grandes arenas romanas – os gladiadores lutam entre si para o deleite dos plebeus... só um pode sobreviver.
Surge disso uma nova elite, a elite da arena. Esta vende bastante, porque outras elites mais velhas como a dos políticos e a dos intelectuais pouco vendiam.
O carnaval é em si um dos principais elementos, mas há um outro elemento da brasilianidade muito importante, que é o risco.
Não existe guerra no Brasil, mas a violência social mata 50 mil pessoas por ano. Nos morros do Rio ocorre um estado paralelo comandado pelo crime organizado, e as classes mais resguardam seu espaço social – ninguém de fora entra na favela, assim como os burgueses se fecham em condomínios vigiados por profissionais da segurança e tecnologia para tal.
Estes traços da brasilianidade se observam em Paris, onde a polícia não pode entrar em certos espaços que são territórios demarcados por minorias. Assim, com mais alguns comentários sobre outras questões da brasilianidade expressa em outras sociedades pelo mundo afora, Giuliano dá por encerrada sua exposição, assim mesmo, sem uma conclusão, frisando que tratou-se de expor apenas observações sobre esta brasilianidade na comunicação e na cultura contemporânea.

Massimo Di Felice – Escola de Comunicação e Artes – USP.
Falando sobre pós-modernidade, publicidade e pós-humano, o prof. Felice levantou algumas questões básicas sobre a pós-modernidade. Primeiro, ela incomoda, especialmente à sociologia e às religiões monoteístas. Segundo, ela trás a crise, a crise das grandes narrativas da psicanálise, do marxismo e do evolucionismo, e a crise dos métodos unitários da física, da filosofia da ciência, das ciências exatas.
Dando como exemplo a entrada de tribos indígenas da América Latina na Internet que a partir disso produz as suas próprias narrativas, o prof. Felice citou Vattimo que fala sobre o papel dos meios de comunicação na pós-modernidade, que fizeram com que as visões de mundo se multiplicassem gerando uma crise nos pontos de vista centrais.
Também há a crise da linguagem que se deu a partir das novas mídias e tecnologias dando espaço a novas linguagens as quais ultrapassam fronteiras e limites diversos.
A publicidade então representa uma revolução, ou melhor, várias revoluções na linguagem.
A publicidade ao contrário do que comumente se pensa não foi uma invenção do capitalismo, já que por exemplo a Igreja lançou mão de recursos publicitários para oferecer a seu público-alvo uma linguagem acessível às idéias bíblicas que queria difundir, utilizando a linguagem dos afrescos em épocas onde a leitura da bíblia era restrita ao clero.
A publicidade existe de forma correlata ao mercado, o qual também não é uma invenção capitalista.
A publicidade na pós-modernidade trouxe então o fim da hegemonia do arquiteto e do político na determinação dos espaços urbanos, pois com ela podemos dialogar constantemente através das imagens urbanas no outdoor, busdoor entre outras.
O fenômeno Second Life e a Internet de forma geral nos trouxe a difusão de info-matérias e info-territórios – a virtualidade – uma matéria nem orgânica, nem inorgânica, uma nova forma de perceber o mundo, gerando assim a crise do antropocentrismo.
A publicidade nesta perspectiva configura a crise do humanismo na medida em que se tornou construção pós-humana, encerrando em si um habitat técnico e humano ao mesmo tempo.
A situação social é determinada por um click, pessoas se relacionam através da interface, o software, sistemas informativos.

José Roberto Whitacker Penteado – ESPM.
Como a publicidade atual sustenta-se? – esta foi a questão levantada em debate pelo painel exposto por Penteado, o qual envolveu diversos comerciais que estão na mídia hoje: Brahma, VW Gol, Feel Good, Ford Fiesta, Glaid, Texaco, Mastercard, Metamucil, Nextel, Philadelphia, Sadia, VW Golf, Intelig, CEF, Adidas. A Publicidade tornou-se uma das principais características do século XX, e uma peculiaridade interessante é que só o Brasil utiliza o termo publicidade como sinônimo de propaganda; a origem semântica está justamente numa questão levantada anteriormente pelo prof. Felice: os afrescos católicos eram chamados na Igreja pré-Vaticano II de “propaganda” (latim).
A mídia busca basicamente informar, educar e divertir – esta última, a mais lucrativa função – têm na publicidade a sua principal fonte de renda fazendo com que o entretenimento ocupasse cada vez mais espaços na mídia. Fiel à sua função – vender – o anúncio apresenta-se ao grande público de forma ética: não mente, não finge, não camufla, está ali para vender, não nega e todos sabem e entendem exatamente o que ele quer, ele não tem segundas intenções – é sincero – e nem parcialidade – é transparente e objetivo. O jornalismo atual não tanto informa, mas principalmente explora as sensações e o humor.
Tornou-se espetáculo.
Assim, a publicidade nos coloca sob situação flagrante.
Penteado encerrou a fala com uma pergunta que explica o porque desta afirmação: em que arena nos encontramos?!

João Osvaldo Schiavon da Matta – mestrando e professor da ESPM. Discorrendo sobre sua tese, o prof. Schiavon falou sobre a produção midiática da popstar Avril Lavigne.
Cantora canadense de 22 anos, Avril Lavigne reúne em si uma série de estereótipos e símbolos das mais diversas tribos jovens do universo pop: grunge, rockeira, emo, gótica (como se autodefine) e mesmo alguns aspectos do punk. Esta estratégia favorece a integração das tribos presentes no cyberespaço. Sendo a Internet um locus privilegiado dos adolescentes, o experimentalismo empírico de uma cultura midiática que é hegemônica traduzindo a importância do self nesta faixa etária integra todas as tribos.
Direcionados pela emocionalidade, as comunidades se re-tribalizam. Basta observar o site oficial de Avril Lavigne para perceber como ela se apresenta com múltiplas identidades e estereótipos.
O próprio símbolo de Avril é composto do agressivo ícone pirata da caveira e ossos cruzados, mas dentro de um coração pink.
Assim, curioso é que em torno de Avril orbitam duas vertentes: fãs e anti-fãs, estes últimos criticando justamente esta indefinição de identidade da cantora. Schiavon fecha sua exposição citando o filósofo Espinoza: “não gostamos de uma coisa por ela ser uma coisa boa, mas achamos a coisa boa porque gostamos dela”.

Julio Pompeu – Univ. Fed. do Espírito Santo – UFES.
A linha usada por Pompeu para discutir o tema da pós-modernidade foi a da história da filosofia ocidental.
Nesta linha considerou crise como não exceção à normalidade, mas como regra. Crise é mudança.
Mesmo a Idade Média na qual imperou o teocentrismo foi antropocêntrica porque Deus possuía características humanas.
Retomando a mitologia grega Pompeu falou do confronto de Hércules com a Hidra de Lerna, o monstro de múltiplas cabeças as quais renasciam logo após serem esmagadas pelo herói; o mito é simbólico porque coloca o baixo ventre como a morada da Hidra, ou seja, a parte apetitiva do homem, que aprisionando a Hidra a doma.
É a metáfora da razão dominando o corpo.
Seguindo a linha platônica, nada pode ser ensinado mas a paidéia – processo educativo - consiste em fazer com que o homem retome consciência de um conhecimento inato, o qual já trás consigo, a teoria da reminiscência que remete à uma existência anterior, a da alma no mundo das idéias, o lugar onde vai obter o conhecimento.
Assim, para Platão, falar de conhecimento é falar de metafísica, o mundo da permanência, da estabilidade, que se antagoniza ao mundo sensível, material, corruptível, cuja transitoriedade impede de compatibilizar com verdades inquestionáveis, sendo portanto o lado ruim, o lado ilusório da existência.
O Leão habita o tórax, a parte ativa do corpo, e a Hidra habita o ventre, a parte apetitiva; quando o Leão e a Hidra se unem, surge a causa da ação.
A razão então exerce um papel controlador do corpo e das paixões.
Numa observação pessoal recordo que no mesmo mito de Hércules, num de seus acessos de loucura, sua deusa protetora Atena devolve-lhe a razão atirando-lhe uma pedra no peito.
A partir destes postulados a filosofia ocidental associou as paixões e desejos à falta de liberdade, ou seja, a aplicação dos juízos morais.
Na modernidade teremos Descartes que aprofundará os conceitos dualistas platônicos em res cogitans – a coisa pensante, no mundo da razão, e a res extensa, a coisa material, onde existem os afetos.
Hobbes por sua vez falará de uma única substância, a Natureza, ou Deus.
O medo livra o homem de seu estado de natureza. Bem conhecemos a definição pela máxima de Hobbes imortalizada por Caetano Veloso: o homem é o lobo do homem, e rende-se ao racional na medida do seu medo, que passa então a ser elemento socializador.
Para Maquiavel, a verdade efetiva das coisas é o determinante em nossas ações, definindo-se o homem como um ser desejante e eternamente insatisfeito. Na contemporaneidade Foucault trata da estética como formas do pensar e do relacionar, abordando alguns temas básicos da pós-modernidade: a sexualidade, a loucura e a morte.
Foucault fará uma abordagem em conceitos como o da biopolítica, o da bioestética libertária e o erotismo da morte vitalista, da loucura.
Assim, voltamos ao ponto incial: a pós-modernidade é crise na medida em que o homem é realocado.

Fechamento do professor Maffesoli.
Nada é herético e tudo é discutível, então, o discurso da pós-modernidade pode, por exemplo, ser ecológico, num sentido que ele explicitará adiante.
Na perspectiva judaico-cristã, a concepção econômica do mundo fala de salvação, de uma história de salvação, talvez aquilo o que Nietzsche tanto criticava na tradição judaico-cristã quando discorria sobre aqueles a quem chamou de os melhoradores da humanidade; em outras palavras, a perspectiva judaico-cristã coloca objetivos os quais a humanidade deve alcançar.
Assim, a economia, fator externo que se manifesta, existe em função da ecologia, o fator interno, a preservação.
Em Einstein e sua teoria da relatividade ocorre aquilo o que chamou de contração entre tempo e espaço.
A publicidade então constituiria a contração entre o tempo e a história – o medo, o iconoclasma e o ícone, ídolo que remete à materialidade e espaço, a limitação de Deus.
A partir deste ponto, ocorre então uma hierogamia, onde os ícones serão como que presidentes da orgia sexual. Daí a luta bíblica dos profetas contra a imagem, porque ela suscita aos sentidos, e estes, à sexualidade.
O sentido de se falar em ecologia nesta relação está em considerar este processo como o fruto da materialidade, da mãe-terra, ou seja, uma erótica social. A canção “Cio da Terra” de Milton Nascimento e Chico Buarque, no meu entender, pode bem ilustrar este raciocínio do professor Maffesoli, pois ela relaciona o prazer com os frutos da terra, da natureza, da materialidade.
Direcionando-se a outro viés, o prof. Maffesoli fala do gótico onde ocorre a ligação entre o amor e a morte no trágico, e a ponte com a publicidade é a de que esta seria a homeopatização da morte, já que ela não é e nunca foi a ordem da funcionalidade.
Por exemplo, o luxo, a luxuriência do barroco e a luxação não é funcional; e um dos principais motes da publicidade nada mais é que o luxo.
O Renascimento em seu período do cuatroccento foi marcado melo mecenato, onde os banqueiros financiavam a produção artística, intelecutal e cultural.
As relações de consumo são relações de perda, e publicidade incita ao consumo.
Consumir gera espaços, cavidades; e se estamos falando de espaços e cavidades estamos falando de materialidade, portanto, de aparências; tais aparências seriam então as formas que a realidade assume a partir da publicidade.
“O mundo é imundo”, tomado através das aparências e formas formantes” (Espinoza).
Assim nesta perspectiva podemos visualizar a publicidade como a filosofia da forma, forma pela qual precisamos amar este mundo imundo, na dimensão onírica da publicidade.
A pós-modernidade remete diretamente às imagens, e estas à publicidade, que nada mais é que uma expressão da imagem.
A cidade de São Paulo hoje constitui um laboratório da pós-modernidade na medida em que suas exposições pululam, sejam elas teóricas ou empíricas.
Enfim, o prof. Maffesoli encerra sua colocação falando da metáfora da valsa: o movimento dá-se a partir de um ponto fixo: um dos pés precisa estar firme sobre o solo, permitindo passos rápidos – assim Maffesoli observa a discussão sobre publicidade e pós-modernidade.
A publicidade só pode funcionar quando ela corresponde a um modo de estar, modo este que é o modo da ausência de medo: nada devemos temer, nem a técnica, pois esta é a remagificação do mundo. Basta observar os recursos e possibilidades que conquistamos utilizando a tecnologia, por exemplo, o celular ou o computador. Como última frase, Maffesoli fala do totem, do sujeito, o eu, como totem, totem agregador de sujeito mais objeto... sujeito pós-moderno que é possuído pelo objeto. Enigmático, no mínimo... estaria ele falando o mesmo que os irmãos Wachovsky quiseram dizer em Matrix?!