segunda-feira, 30 de julho de 2007

SOBRE O AVESTRUZ ESNOBE.

Foi publicada no blog do Grupo de Planejamento de São Paulo uma postagem intitulada A Síndrome da Avestruz Esnobe, na qual foi debatido o resultado de uma pesquisa da FNazca/Datafolha sobre qual seria a banda, cantor ou cantora mais ouvido do Brasil, e o resultado foi a banda popular Calypso[1].

Recordo-me de quando eu era adolescente no começo dos anos 80. Dada ocasião fiquei impressionado quando vi um pôster da dupla Chitãozinho e Xororó. Nele, os caipiras - o termo sertanejo era muito erudito para a época, além do sentido diferente do atual - apareciam num de seus shows utilizando iluminação especial com holofotes coloridos eletronicamente controlados e explosões de fumaça, palco triplo dividido em andares; perguntei-me se era mesmo uma dupla caipira ou uma banda de rock pesado.

Em meus artigos insisto pela importância do feeling no planejamento de propaganda justamente porque tenho observado fenômenos como o citado no blog do GP, paradoxais a princípio, mas logicamente compreensíveis se acionarmos em nosso feeling, deixando-nos envolver nesta nova lógica não mecânica na análise do comportamento do consumidor contemporâneo.

As classes sociais, sim elas existem, e talvez existirão sempre, e isso significa que terão suas características comportamentais próprias, inclusive enquanto consumidores, mas a partir daí apegar-se radicalmente a instrumentais ditos científicos para traçar previsibilidade dos resultados de um plano de comunicação pode ser muito arriscado.

A ESPM, Vaticano da Publicidade no Brasil percebeu isso há certo tempo. Tenho acompanhado os workshops promovidos para o debate sobre os novos paradigmas da comunicação contemporânea.

Em junho de 2006 ela promoveu o Encontro de Publicidade e Pós-Modernidade, com a presença de Michel Maffesoli, sociólogo francês de renome internacional. Neste encontro, o prof. Clóvis de Barros disse que (...) a sociedade pós-moderna exige um discurso de auto-definição menos monolítico, menos permanente e menos coerente do ponto de vista racional. É uma sociedade que “pune” menos as oscilações de apetite e, de alguma maneira, as mudanças de estratégia no comportamento social [2].

A incoerência entre as bases teóricas das ferramentas dos planejadores e o comportamento dos consumidores da atualidade nos causam perplexidade, a qual poderemos superar e desenvolver propaganda de sucesso se passarmos adiante de nosso espanto.
Sem estrelismo na mídia e sem trazer em seu conceito as consideradas características de um produto top de linha (ou seja, qualidade), a banda de neoforró Calypso é o produto de entretenimento musical mais consumido no Brasil, trespassando todas as classes sociais.

Então, precisamos refletir – o que é qualidade?

Qualidade é aquilo que existe no tema de abertura da principal novela da Globo, líder absoluta de audiência que também trespassa todas as classes? Ora, os temas de abertura das novelas em quase todos os casos são escolhidos entre a mais fina flor da elite da música que é chamada de popular brasileira.

Esperem, onde estamos? O que estávamos debatendo? Neoforró populacho como sucesso absoluto, e na novela música de altíssima qualidade consumida pelo mesmo público do Calypso? Que quebra-cabeças é este?

Conheço pessoas (observem que estou utilizando plural) que a despeito do diploma universitário que sustentam, das suas profissões e cargos que exigem apurada formação cultural ou de sua alta posição na pirâmide social trocam Veja por Minha Novela, trocam a Discovery pelo Domingo Legal do Gugu, trocam Abril Despedaçado por Deby e Lóide, e não sentem nenhum constrangimento em admitir isso publicamente, muito pelo contrário, não raro referem-se com desdém a consumidores da relação inversa.

Assim sendo, encerro dizendo que não se pode simplesmente abandonar as ferramentas tradicionais com as quais planejamos propaganda, mas hoje em dia é muito arriscado inferir que, se o consumidor vive em bairro nobre em casa própria com mais de cinco quartos com banheiro, se ele possui mais de um carro importado, se ele é graduado e pós-graduado em universidade de primeira linha em país de Primeiro Mundo, este consumidor não trocará Edu Lobo por Wagner Rossi The King – o risco de desperdiçar o dinheiro do anunciante pode ser grande.

E é aí que o feeling torna-se muito importante para o planejador, e não mais se planeja baseado somente em pesquisa e dados estatísticos, mas torna-se fundamental estar próximo ao consumidor e senti-lo.

[2] Filho, Clóvis de Barros in: Revista da ESPM, vol. 13, edição nº 05, setembro/outubro de 2006, p.41

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