segunda-feira, 9 de julho de 2007

DIÁLOGOS BAHIANOS.

Os “Diálogos Bahianos” surgiram do intercâmbio e debates que têm ocorrido em interlocução com meu amigo Júlio César, planejador que atua numa das principais agências do mercado bahiano.


Parte 1 - A cachaça e o Cristo Redentor.
Júlio sugeriu explorar o documentário "Inside Saatchi & Saatchi: A Spirited Case Study", de 40 minutos, que fala de uma campanha veiculada na Inglaterra para o lançamento da cachaça Sagatiba por lá. O documentário foi veiculado na BBC e só no Reino Unido foi visto por mais de 2,5 milhões de pessoas.

Caro amigo Júlio
Há mais ou menos uma década que o mercado brasileiro de bebidas discute e desenvolve idéias buscando internacionalizar a cachaça, e para tanto ela deve ser revestida de status de bebida requintada. Vejamos o exemplo de marcas e embalagens de cachaça que têm surgido de alguns anos para cá. Ademais não é novidade para ninguém que o próprio governo brasileiro e os produtores de cachaça há anos se esforçam para desenvolver o conceito de cachaça tipo exportação.

Dentro do Brasil é difícil desvincular culturalmente o conceito de cachaça do estereótipo de bebida rústica, consumida por pessoas de limitado nível sócio-econômico e cultural - na linguagem dos publicitários, as classes C e D, ou ainda, as classes populares.

Torna-se inusitado pensar numa marca de cachaça exposta na prateleira de um bar no lounge de um hotel de alto nível colocada ao lado de outras marcas consagradas de uísque, licor, vodka, conhaque, brandy, gin e outras.

Cavalinho, Pitu, 51, Tatuzinho, Velho Barreiro entre outras, fazem com que nosso imaginário imediatamente nos remeta à imagem do boteco em que os apreciadores de drinks divertem-se jogando bilhar em mesas acionadas a fichas que custam um real ao lado de outros que entusiasmados curtem uma peleja de dominó, tudo animado pelo som de um CD pirata adquirido na banquinha clandestina da feira-livre que faz os corações palpitarem na melodia do último sucesso de uma das principais duplas sertanejas do momento.

Muito se fala sobre a tequila mexicana que tinha este mesmo significado cultural que a nossa cachaça tem por aqui - birita rústica de pobre – porém, depois de um processo dentro do México que serviu de inspiração ao que está se tentando fazer aqui com a cachaça, foram criadas marcas para serem consumidas pela elite e se transformou em produto de luxo para exportação.

Cabe lembrar que tanto o scotch uísque assim como o uísque de milho, o bourbon americano, anos atrás eram bebidas tão rústicas quanto a imagem que temos da cachaça. Hoje há marcas que chegam a conquistar “selo real” atestando alta qualidade.

Certa vez visitei uma feira vinícola onde havia participação em menor grau de produtores de outros tipos de bebidas. Lá eu vi uma série de fotos divulgadas por uma destilaria escocesa, mostrando a cerimônia de atribuição do selo real pelo príncipe Charles em pessoa, inclusive trajado com a kilt, a famosa saia masculina com estampa xadrez, dirigindo todo um cerimonial que incluía lances de se provar ritualisticamente o uísque, quebrar a taça, fazer rolar um barril e quebrá-lo, espalhando a bebida pelo chão da adega como uma espécie de batismo.

Claro que isso era interessante ao governo britânico: qual o valor internacional de um uísque legitimamente escocês que leva um selo de qualidade conferido pela corôa britânica em cerimônia presidida pelo príncipe em pessoa?!

Sabia Júlio que originalmente Johnnie Walker era uma marca de... CHÁ? Isso mesmo, John Walker era um profissional "blender", isso é, tinha o olfato supertreinado para classificar e selecionar tipos e tipos de ervas para chá; na primeira metade do século XIX quando então tinha quinze anos herdou um pequeno capital da família o qual investiu num pequeno comércio, um armazém de secos e molhados, onde comercializava principalmente diversos tipos de chá e onde se servia o drink preferido dos escoceses, obviamente, o uísque... ou seja, John Walker abriu um simples boteco.

Percebendo que o uísque produzido e consumido naqueles tempos na Escócia podiam muito bem levar marcas como Mud Elder, Small Horse, Fifty-One, Small Armadillo, Big Shrimp etc., e percebendo que alguns tipos de uísque eram mais procurados que outros, teve a idéia de aplicar seu know-how de blender de ervas para chá aos maltes para uísque... todos nós sabemos qual foi o final da história, construída por John Walker e seus descendentes... sai uma Joãozinho Caminhante aí...

Temos então um case de sucesso em que um empresário acreditou na possibilidade de refinamento de uma bebida rústica.

Considerando então a história do uísque e a história da tequila, por que então não podemos pensar na cachaça tipo exportação, na exótica caipirinha sendo servida nos refinados bares da Europa?

Bem meu caro Julio, se você quer saber mesmo a minha opinião sobre o case da Saatchi e Saatchi londrina, o lance é: louca a campanha né?!

Acredito que no Brasil a campanha seria inviável. Nem a Igreja e nem o Estado iriam engolir a associação da cachaça com um símbolo religioso. E ainda é preciso considerar a questão dos interesses de mercado que vão decorrer da recente escolha do Cristo Redentor como uma das maravilhas do mundo.

Quanto à criatividade da campanha, bem, em se considerando tratar-se de europeus, foi muito bom porque no Brasil Joãozinho Trinta há muitos anos já utilizou a imagem do "Cristo Vendedor".
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NOTA DO AUTOR - Uma curiosidade sobre a origem da marca de cachaça 51:
Recentemente a Sociedade Esportiva Palmeiras obteve sucesso junto à FIFA para que o título de campeão da Copa Rio conquistado no ano de 1951 fosse reconhecido como o primeiro obtido num torneio mundial interclubes na história do futebol. E a origem da marca 51 tem profunda relação com esta questão.
Na época, uma família de italianos do interior paulista, torcedores fanáticos do Palmeiras, administravam uma destilaria. Com o título criaram a marca que tinha formato original de Palmeiras 51.
Anos depois a destilaria foi vendida, e com ela a marca, que foi transformada em Pirassununga 51, com direito à sutil brincadeira ortográfica, pois sabemos que a gramática oficial do português brasileiro obriga o uso de cedilha na grafia de palavras de origem indígena.

Veja o trailer do documentário:
http://www.filmsmediagroup.com/id/12041/Inside_Saatchi_and_Saatchi_A_Spirited_Case_Study.htm


Parte 2 – A Disneyworld dos Planejadores.
Nesta ocasião Júlio sugeriu o debate sobre o artigo de Rita Almeida que comenta a questão dos blogs de planejadores, publicado pelo jornal Meio & Mensagem nº 1255 de 23 de abril de 2007; nele Rita Almeida questiona o real valor dos blogs como fonte de referência teórica para os planejadores e ainda faz um paralelo entre as práticas das gerações de planejadores que vieram antes e depois do advento da Internet.

Olha Júlio, eu não sei se a percepção que você tem da minha pessoa é a mesma ou pelo menos semelhante à percepção que tenho de mim mesmo como planejador e blogueiro.

Tomando como referencial as idéias debatidas por Rita Almeida, percebo-me como alguém que ficaria no meio de campo da polaridade por ela apontada, entre os planejadores pré e pós Internet.

A minha origem é acadêmica. Tive uma juventude de barata de biblioteca, fui professor, candidato a intelectual que um belo dia cismou que deveria seguir um outro caminho, e fui para a publicidade.

Os planejadores no meu entender são a parte intelectual da agência, a "intelligentsia", aqueles que se preocupam com a ciência da comunicação e lançam pelo menos em parte as bases teóricas para o trabalho das duas instâncias posteriores do processo de produção publicitária – criação e mídia – e conta com tremenda colaboração da instância anterior, o atendimento. Tudo, obviamente, numa perspectiva de interação e troca.

Em geral os planejadores cada qual a seu modo e estilo são muito compenetrados, cultos, informados, letrados...

Quando estou na agência desenvolvendo um projeto complexo é fácil para os colegas perceberem.

Na primeira fase eu fico andando de um lado para outro solitário, olhando para baixo, com a mão no queixo como uma versão ambulante d’O Pensador de Rodin por tempo inderteminado, exceto pelo dead line

Então, quando me canso de andar chega hora de sentar e começar a escrever, ainda solitário e concentrado.

Quando então o primeiro boneco do projeto fica pronto, começa o estardalhaço: é hora de distribuir uma cópia para todo mundo e agendar a apresentação/apreciação/discussão interna do plano.

Assim como a cara das universidades mudou com o advento da internet, a cara dos planejadores também mudou, já que seguem até certo ponto o modelo dos pesquisadores universitários.

Assim como hoje a internet provoca uma revolução nos mais diversos conceitos, o planejamento não poderia escapar disso.

É claro que a cara das novas gerações de planejadores é bem distinta da antiga geração. E não poderia deixar de ser diferente.

Caro amigo Júlio, se você já analisou meu blog perceberá que sou um ser híbrido entre a antiga e a nova geração, uma "barata de biblioteca digitalizada"

Bem, se você queria uma apreciação ao artigo sugerido, ei-la... cara, muito legal isso: a troca, estamos trocando know-how, expertise, informações, opiniões... valeu soteropolitano!

Leia o artigo completo de Rita Almeida:
http://www.meioemensagem.com.br/novomm/br/Artigo.jsp?id=701

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