segunda-feira, 9 de julho de 2007

Sensibilidade e Intuição ao Planejar Comunicação


Artigo inspirado no Guia do Pescador de Jon Steel*.

Ao se deparar com um anunciante que exige algo que se assemelha a um milagre, os profissionais que atuam no processo de produção publicitária buscam nas experiências já desenvolvidas por eles ou por outros a inspiração necessária.

Encontrada a possível solução, entra a etapa de montar aquela apresentação-show para convencer o cliente.

Proposta aprovada. Até este momento o emprego do planner estará garantido, mas é lógico que o cliente só se convencerá em definitivo mediante resultados efetivos. E ninguém consegue manter o emprego somente na base de apresentações-show.

Não é novidade que os bons resultados em propaganda vêm da descoberta daquilo o que o consumidor quer, entendendo o seu comportamento.

Ao utilizar ferramentas tradicionais como são as pesquisas de opinião e os focus group entre outras, corremos o risco de obter tantas respostas diferentes do consumidor quantas vezes estas ferramentas forem utilizadas. Não estou afirmando que devemos desprezar estas ferramentas por imprecisão. Ao contrário, elas são importantíssimas porque sua contribuição ao trabalho dos planners está menos nas respostas que com elas obtemos, e mais no seu exercício – o treino da percepção das reações do consumidor.

E nesse momento que o lado filósofo dos planners se manifesta, porque literalmente entram em crise existencial a cada desafio que é apresentado. Por que o cliente anuncia? Só porque a concorrência o faz ou porque ele tem que dar destino a uma verba? E diante disso, qual o meu papel de planner? Como satisfazer o cliente sem ser medíocre?

Abordar com realismo a realidade do produto, do anunciante e do consumidor sem os desvios que costumam aparecer nesta relação é o ponto de partida para um planejamento de sucesso. Atitudes levianas como atribuir a um produto mais qualidades do que possui pode conquistar a simpatia momentânea do cliente, mas com certeza não é o melhor caminho.

Dizem por aí que o bom publicitário é aquele que consegue fazer vender esterco enlatado, e há um exemplo célebre, não sei se real, ocorrido na conferência ECO 92 em que o ar da Amazônia foi comercializado em latas com grande sucesso com o conceito o ar mais puro do planeta... pelo menos o odor com certeza é mais agradável que o do esterco.

Porém, não é esta a postura de um profissional que busca o sucesso. Aliás, julgo que se um planner chegou ao ponto de desenvolver projetos para produtos equiparáveis a esterco enlatado, sua trajetória profissional não é certamente das mais admiráveis. E os resultados decorrentes da ECO 92 nos levam a concluir que, se o case do ar enlatado for verídico, ele nada mais é que um dos vários resultados deste marcante evento.

Porém, este exemplo não é de inteiro descartável, pois trás consigo uma questão de interesse central em nossa reflexão.

Hoje fazem sucesso as vendas da água do rio Jordão. Há quem venda a peso-ouro os disputados fragmentos do Muro de Berlim. Nos anos 60 fizeram sucesso as pedras trazidas da lua, e em épocas passadas houve quem fez fortuna vendendo penas das asas dos anjos. Por que então o ar da Amazônia não pode se tornar produto de sucesso?

Sem chegar ao extremo desses exemplos exagerados, quero dizer o seguinte: perceber o que é relevante para o consumidor e intuir como transformar isso em informações do briefing é uma das qualidades mais fundamentais no planner.
Um desafio comum ao planner é romper dogmas manias que se travestem de dogmas. Por exemplo, convencer o cliente de que usar aquele expediente que foi sucesso no passado pode não ser o melhor caminho é uma tarefa ingrata e arriscada, mas necessária.

Sob outra ótica, também seria arriscado para o planner utilizar o briefing para justificar sua existência. Em outras palavras, mostrar serviço. A objetividade é companheira do trabalho sério.

Radicalizar embates com a criação é outro risco. Saber ouvir e ser flexível, com objetividade nas argumentações é virtude para profissionais de qualquer área.

Simplicidade e objetividade, entendendo que ser simples não é ser medíocre e ser objetivo não é ser incompleto. Um planner precisa compreender que:

Primeiro, nós não somos deuses. A publicidade não faz milagres. Planejar comunicação é enfrentar obstáculos que se surgem tanto da parte do anunciante como da parte do consumidor: preconceitos, geração de hábitos de consumo, influências das circunstâncias, experiências negativas... e os resultados efetivos tão cobiçados não dependem somente de nós, que somos um só um dos elos de uma corrente, portanto, nada de querer ser o herói da história.

Não adiantaria nada uma campanha que levasse ao ponto de venda o consumidor convencido de que quer comprar um determinado produto se lá ele é mal atendido ou não encontrará o produto, só para citar um exemplo.

Segundo, um planner precisa mesmo é definir os objetivos em cima dos quais vai trabalhar. Grande novidade... mas é aqui que chegamos numa das questões mais importantes e das que gera maiores equívocos no processo de produção publicitária.
Selecionar entre os vários objetivos que surgem na hora de redigir o briefing e apresentá-lo à criação de modo a cumprir a missão da publicidade naquela corrente de fatores que determinam o sucesso de um produto é para o planner um radical treino da sensibilidade e intuição.

Definir a proposição central de uma campanha é uma das tarefas de maior responsabilidade do planner, pois esta implica em definir o ponto de apoio de todo o trabalho, ponto este que pode não apresentar a dinâmica dos demais aspectos. Pode ser mantida por vários anos enquanto o produto sobreviver no mercado. Por exemplo, se você perguntar a um pai que procura a escola ideal para seu filho, com certeza ele vai encher a boca: busco uma escola que prepare para a futuro... mas que eu tenha condições de pagar por ela. A segunda parte da resposta é bem fácil de se definir, já a primeira parte não é tão simples.

Por isso o cuidado com a proposição, pois dela decorrem as estratégias que são essenciais à propaganda.

Como em todas as áreas do mercado, seria cômodo encontrar as fórmulas de sucesso prontas para serem aplicadas. E se assim fosse, não existiria concorrência. Por isso, sentir o consumidor e ter uma intuição treinada para traduzir seus desejos de modo harmonizado com as perspectivas do cliente é uma difícil equação na qual se encontra a tarefa do planner e de toda a publicidade.

E tudo isso se torna ainda mais intenso nesta civilização que transita da cultura industrial para a cultura da informação digital, onde o comportamento, os hábitos e as linguagens se transformam radicalmente a cada momento. Ser planner é estar no meio deste redemoinho envolvendo-se com prazer nesta onda.

Guia do Pescador é o título do capítulo 5 do livro de Jon Steel: Verdades, Mentiras & Propaganda – A Arte do Planejamento, Negócio Editora, São Paulo 2001, capítulo este no qual Steel comenta a importância do briefing.

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