segunda-feira, 9 de julho de 2007

Sapo de dentro, sapo de fora - observações sobre o primeiro evento do Grupo de Planejamento em 2007.

Com auditório lotado, o evento começou em clima de muita descontração na noite de quarta-feira, 16 de maio, com música ambiente e reencontro de muitos amigos.

Nosso amigo Fujioka faz a abertura falando sobre o cronograma do GP para este ano de 2007, e anuncia que o site da entidade vai assumir formato de blog, visando estimular a participação geral. Também participou desta abertura Daniel Tomazzo, parceiro de Fujioka no planejamento da JWT.

A Dobradinha do GP tem o espírito de promover o debate e a geração de idéias entre os profissionais de planejamento, colocando sempre como speakers um profissional de destaque na função de planejador e outro profissional de destaque que atua numa área diversa, porém de interesse ao planejamento.

Desta vez a Dobradinha do GP trouxe David Laloum, diretor de planejamento da Y & R e Marcelo Coutinho, diretor executivo do Ibope Inteligência, começando pela exposição deste, com o tema: O fim do discurso publicitário: as marcas em tempos de comunidades online e criação coletiva.

As mudanças que surgiram com o advento da Internet serviram para abrir a colocação de Coutinho, que introduziu sua fala comentando sobre a transição e a ruptura que ocorreu no tocante à divulgação de marcas, onde a situação em que só as grandes corporações tinham acesso a recursos massivos de divulgação de suas marcas numa posição ativa perante receptores passivos, e agora a Internet possibilita aos consumidores o contradiscurso: a rede tornou-se um canal de comunicação massiva e mais democrática onde o consumidor pode expor o seu julgamento sobre a marca que é divulgada na mídia.

Por conseguinte, os papéis sociais nas relações de produção e consumo vão alterar-se significativamente.

Mantendo sua metodologia de reconstrução histórica, Coutinho continua comentando sobre a hegemonia do pensamento fordista que imperou no mercado a partir dos anos 60, e a crise do modelo keynesiano nos anos 70 que gerou novas formas de relacionamento na economia que decorreram das novas formas de relacionamento social.

A partir deste ponto Coutinho passou a explorar o conceito de destruição criativa, teorizado por J. Schumpeter, a partir do qual concebe-se que as relações progressistas no desenvolvimento do capitalismo pressuõe a necessidade dele próprio destruir as antigas formas de produção substituindo-as por novas.

É claro que nesta perspectiva ocorre uma reação conservadora, como se pode notar nos segmentos organizados da economia que apelam para a intervenção do Estado e das leis para impedir o avanço de seu obsoletismo e sua substituição por novos setores hegemônicos.

A nova criação que surgiu deste embate refletiu uma pluralidade que veio a superar a antiga visão em profundidade, a especialização, ou seja, as relações comunicacionais passaram a primar pela valorização de uma visão mais horizontal da realidade, fazendo com que sem medo os atores da sociedade se pronunciassem na mídia sobre campos diversos aos quais atuava, mesmo estes tendo relação direta com o seu foco, o que até então era considerado uma heresia na visão vertical e compartimentalizada das relações sociais, inclusive as relações de produção e consumo, onde cada especialista pronunciava-se sobre sua especialização e só.

Por conseguinte as marcas passaram a ocupar neste mercado uma nova posição a partir da constatação a qual o consumidor deixava de ser mero agente passivo e passou a interferir e a se relacionar de modo até então inédito com estas mesmas marcas.

Por exemplo, a marca de brinquedos Lego consolidou-se nos anos 80 a partir dos seus famosos tijolinhos plásticos que se encaixavam, típico brinquedo considerado arcaico perante os novos conceitos de brincadeira infantil que podemos perceber na atualidade. Ledo engano: faz muito sucesso o concurso promovido periodicamente pela Lego da melhor montagem de um robô a partir dos seus tijolinhos.

Será que o público que consome Lego a partir desta perspectiva é o mesmo que consumia brinquedos da marca nos anos 80? Obvio que não... ou talvez sim, dado que nada mais são que aquelas crianças que cresceram, mas com certeza as características mudaram e bastante. E mais: seria possível promover o encontro destes aficionados de construções de bloquinhos plásticos sem a Internet?

Retoma-se então o conceito de “long tail” onde as novas formas de consumo são avalizadas através dos pequenos nichos que vão aos poucos sendo identificados e catalizados com o auxílio da Internet, formando sob o formato gráfico a longa cauda de uma espécie de pulverização do consumo em diversos nichos que, concatenados, denotam a garantia da lucratividade não de forma vertical, mas sim horizontal.

Quanto à exposição de David Laloum, diretor de planejamento da Y & R, o tema abordado foi: First Life: o homem no foco das marcas.

Após a descontraída distribuição de confeitos de chocolate M & M para adoçar o encontro, Laloum iniciou sua extrovertida palestra de teor altamente filosófico, divertida ainda mais pelo simpático sotaque francês.

Temas, conceitos e discussões se sucederam ao longo de sua colocação a qual indubitavelmente gerou impacto do qual nenhum dos presentes escapou.

Falou Laloum sobre o movimento Neo-Luddista, o qual, grosso modo classifa a tecnologia como algo misantrópico. Por exemplo: o celular facilita o desmarcar dos compromissos; quantos encontros, festas, jantares, happy hours poderiam ter aproximado e estimulado o afeto e companheirismo entre as pessoas se a tecnologia do celular não permitisse um rápido e prático desmarcar de compromissos ao localizar a pessoa em quase todos os lugares onde é possível encontrá-la?!

Logo em seguida falou do movimento trans-humanista o qual segue em sentido contrário ao anterior, ao pregar que a tecnologia é essencial ao progresso da humanidade, convém, portanto acelerar a produção e o progresso tecnológico.

Temos então aí o embate de tendências radicalmente opostas presente nos movimentos vanguardistas neste início de século.

Por conseguinte, este conflito e este embate de idéias pode ser traduzido igualmente como o conflito entre 1st Life e 2nd Life.

O 2nd Life representa aquele lado “B” das pessoas, o seu “duplo oposto”, talvez algo como o antagonismo entre Neo e o Agente Smith em Matrix (observação minha), antagonismos e oposições que permeiam o comportamento do homem contemporâneo, especialmente depois do advento da cultura da informação digital.

As pessoas hoje, seja no 2nd Life, seja com outros recursos da web podem viver duas ou até mais personalidades. Algo que os filósofos da pós-modernidade chamariam de fragmentação do sujeito. Esquizofrenia?

Talvez o consumidor atual seja mesmo um esquizofrênico: ao mesmo tempo em que adquire um Rolex falso em troca de status, compra uma bolsa caríssima de alta grife para presentear a esposa; veste uma camisa de metaleiro e chora diante da tela com Julia Roberts, acessa sites pornô no escritório e em casa navega em busca de informação profissional., e por aí vai – identidades ambíguas e antagônicas convivendo num único indivíduo.

Neste ponto da exposição, Laloum passa a citar Gilles Lipovetsky que fala do conceito de hipermodernidade, hyperzona, um movimento que está acontecendo com foco no humano, e toma o viés de oito conceitos para explicar a relação com a sua exposição.

Slow – a contradição do culto à velocidade no capitalismo atual; surge um movimento contrário, de valorização do momento.

Simplicidade – como resposta à complexidade – perceptível na estética, e deu como exemplo a home do Google: curta, grossa, objetiva e lay-out minimalista.

Mitologia – ocorre, tal como na Renascença, a retomada dos mitos, daquela idéia que está na base da cultura ocidental na civilização grega, os heróis, os deuses, estes arquétipos que podemos perceber, tal como em Superman, Matrix, Homem-Aranha, o sucesso de “brutamontes” como Schwarzenegger e Stalone: a comunicação comercial hoje opera demais com estes arquétipos fundamentais de natureza mitológica.

A volta da religião – Laloum aquí deixou fluir toda a sua alma francesa ao afirmar que a tecnologia “está”, enquanto a religião “é”, ou seja, temos aquí um jogo profundamente filosófico de conceitos básicos bem ao estilo da tradição do pensamento francês, onde se encontram os dois conceitos de tempo e espaço no entendimento da realidade; enquanto a tecnologia se coloca num constante “vir-a-ser”, a religião simplesmente não se submete a categorias de tempo e espaço.

Lembremo-nos do trecho da Bíblia, no êxodo, onde Deus apresentou-se a Moisés dizendo “Sou aquele que é” – ou seja, acima de tempo e espaço; além disso este jogo conceitual nos remete diretamente á filosofia pré-socrática: Heráclito com seu “vir-a-ser” e Parmênides com o “ser”.

Voltando ao mundo real, aplicando estes intrincados conceitos filosóficos Laloum estabeleceu a ponte com o que nos interessa: as marcas hoje estão assumindo arquétipos religiosos, envolvendo as pessoas que com elas se relacionam numa situação de crença.

A consciência da fragilidade - seria o próximo ponto. Julgo que Laloum refere-se a movimentos como, por exemplo, aqueles que envolvem a questão ecológica.

O verdadeiro – este surge como resposta à neura que se desenvolveu em torno de uma crise existencial do homem do século XXI. Por exemplo, o retorno às raízes por meios diversos, como o consumo de produtos orgânicos: cerveja, bacon, algodão, alcachofra, hortifruti.

As reuniões entre as pessoas – percebemos o quanto as pessoas estão desenvolvendo formas de relacionamento diversas até então desconhecidas, especialmente no que diz respeito à formação de grupos. A Internet facilita a reunião de grupos por interesse comum, e mesmo os grupos mais tradicionais encontram novas formas de comunicação e exploram novas sensações, como por exemplo, a sucesso que os documentários hoje fazem no cinema atraindo pessoas de diversas classes e opções sociais, em contraposição ao formato enfadonho que eles assumiam até o final do século XX em que eram atraentes só a aficionados.

Assim como pudemos observar o exemplo da campanha do uísque Jonny Walker onde o robô coloca como seu sonho explorar as sensações, a sociedade passa a valorizar mais justamente este lado humano, o das sensações, em resposta ao mundo digital.

A filantropia – esta encontra-se no purgatório. Questiona-se como as formas tradicionais de filantropia realmente surtem um efeito promotor da dignidade humana, ou seria mero artifício de um sistema em crise afins de conservação própria; até que ponto a filantropia promovida pelas grandes corporações é ética na medida em que os benefícios do filantropo são maiores que os do assistido? A legislação e os processos que regem as ongs as transformaram em rentosos negócios – isso é filantropia ou investimento, empreendedorismo?

Enfim, Laloum encerra sua colocação retomando o questionamento inicial: 1st Life vs. 2nd Life – um conflito a ser resolvido porque tal dualidade não coaduna com aquilo o que essencialmente o HUMANO almeja: encontrar a sua identidade de modo que ela não pode ser arrebatada – um único mundo, e uma única pessoa.

Quanto a mim, mais uma vez, assim como o fiquei no Top de Planejamento, estou impressionado de perceber quanto os planejadores de elite estão mais preocupados com os aspectos humanos como condição indispensável à prática do planejamento, e menos com a desgastada fórmula tecnicista-funcionalista que se impõe sob a argumentação da garantia de resultados rápiudos e consistentes.

O humano reclama: até que ponto tais resultados são realmente efetivos? Até que ponto eles garantem o sucesso de uma marca nesta civilização, que encontra-se na transição da cultura industrial para a cultura da informação digital, onde pouco podemos prever o que virá, dada a impressionante dinâmica nas relações que nunca antes se observou na história.

Realmente, ocorre um movimento semelhante aos dos sofistas da Grécia antiga hoje entre os planejadores; injustiçados pela história, e erroneamente chamados de falsos filósofos, isso quando não tiveram seu nome colocado como sinônimo de mentiroso e enganador e mesmo prostituido, os sofistas eram filósofos autênticos que ao contrário dos filhos da rica aristocracia que freqüentavam a Academia de Platão e ocupavam seu ócio com a filosofia dita “abnegada”, estes sofistas dedicavam sua produção em forma de prestação de serviço às necessidades propagandísticas dos políticos e empreendedores. Receber salário é fundamental à sobrevivência, e se ele garantir uma elevada qualidade de vida, melhor ainda. Será tão “pecaminoso” produzir conhecimento desta forma?

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