segunda-feira, 9 de julho de 2007

Planejadores são como Tartaruguinhas – Feeling e planejamento.

Após alguns anos estudando a cultura e o comportamento eu posso dizer que o ser humano é o mais irracional dos animais. Por que? Porque entre diversas definições do ser humano (e a confusão já começa por aqui), eu acrescentaria que ele é a contradição propriamente dita.

Falo de irracionalidade não no sentido da contraposição entre instinto e inteligência, mas no sentido da contradição que ocorre em nossa obsessão por métodos e respostas absolutas.

E o que isso tem a ver com o planejamento estratégico da comunicação? Tudo.

Quando vamos elaborar um plano preparamos a nossa parte da massa bruta que vai compor o bolo do brainstorm inicial de um job. Acionamos o nosso felling.

Entre os vários significados que o dicionário Michaelis apresenta para este termo anglo-saxônico encontramos: sensação, impressão, percepção, intuição, pressentimento, opinião.

Então, voltando à nossa parte do bolo do brainstorm, encaramos como um grande enigma o job que está diante de nós, e começamos a fazer aquelas perguntas básicas do método sherlockiano: quem é o cliente, o que ele quer vender e para quem ele quer vender.

Aqui a irracionalidade que ronda a questão começa a se manifestar na medida em que percebe-se a contradição entre as respostas que buscamos de olho nos resultados e as varias possibilidades das reações que se podem esperar do nosso target.

Um exemplo disso ocorre nas pesquisas de audiência dos programas de televisão popularescos e também sobre as campanhas políticas. Qualquer cidadão perguntado se julga divertido ver exageros ou baixarias na TV irá responder sem hesitar que reprova tudo isso e queria que programas com este teor fossem radicalmente abolidos da mídia. Porém, por que este recurso é sempre utilizado com sucesso quando se busca audiência massiva? É claro que a maioria mente e envergonha-se de assumir publicamente que coisas assim lhe dão prazer.

Mas este exemplo até a minha avó daria.

Anos atrás eu atuei no planejamento de uma agência que atendia naquele momento a uma marca de eletrodomésticos que fazia estrondoso sucesso com um aparelho de entretenimento musical.

Desenvolvi planos de campanhas publicitárias e promocionais que ocupavam largo espaço em todas as mídias possíveis e imagináveis. O merchandising no programa do Faustão era um dos principais investimentos do anunciante, só para se ter uma idéia.

Hábitos de consumo foram desenvolvidos, designers de ambiente introduziram em seus projetos lugar reservado ao aparelho, já considerado como adotado em definitivo pelas famílias. Bares dos mais sofisticados aos mais populares botecos viram-se obrigados a colocar o aparelho à disposição de seus clientes. Era impensável sua ausência nas festas entre amigos. Buffets também tiveram que adquiri-lo, e pessoas incrementaram sua renda oferecendo locação.

Foi uma das maiores febres de consumo percebidas desde o advento da televisão no Brasil.

Porém, meu felling advertia que o anunciante precisava preparar-se para a saturação da moda, investindo em desenvolvimento de produto para sobreviver após a onda.

Em várias ocasiões alertei o cliente e ao diretor da agência que insistia numa tal teoria de “foco num único produto”.

Como toda febre de consumo, surgiu e desapareceu sem deixar vestígios. E quanto ao cliente, nem faço idéia por onde anda. Só sei que ignorar meu felling custou a falência ao meu ex-diretor. É claro que havia outros fatores, mas com certeza foram desencadeados por esta ingenuidade.

Na ocasião a agência quintuplicou seu faturamento, renovou e ampliou todo seu aparato tecnológico, contratou pessoal e ampliou os benefícios. O diretor passou a andar de carro importado e estava se mudando com sua família da casa cedida pelos seus pais para um condomínio de alto padrão.

Não sei qual foi o final desta história, mas considerando a falência, não é difícil imaginar.

Os dados científicos de uma pesquisa de opinião são material imprescindível para planejar campanhas de sucesso, mas entre o racional e o irracional existe aquela “terra de ninguém” que só pode ser percebida pelo felling.

O caminho do sucesso quase que invariavelmente passa por este lugar insólito, este deserto sem mapa ou bússola onde o felling é a única ferramenta pela qual podemos escapar ilesos e chegar em nosso destino.

Bons planejadores são como as tartaruguinhas marinhas que ao nascer já sabem que devem concentrar todas as suas forças na direção do mar que é a sua sobrevivência, onde enfrentarão riscos diversos até se tornarem grandes e centenárias tartarugas adultas.

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